terça-feira, 20 de outubro de 2009

Kadish por meu pai






Ele estava doente há três anos. Foi triste vê-lo neste processo de degeneração. Além disso, ele há muito dizia que não queria partir e deixar minha mãe. Ele esperou que ela fosse. Ela se foi em junho, depois de um longuérrimo Alzheimer. Ninguém merece. Garanto a você. 
Doença cã.

Mesmo com eles doentes há muito, perdê-los, mesmo na idade em que estou, parece com perder seu guarda chuva em meio ao temporal. Parece que o telhado da casa voou num vendaval. Algo assim.

Parece que depois de perder ambos, caminho pelas ruas de São Paulo solta, sem lastro, sem ligação. Penso mesmo se a cidade pode ser para mim, sem eles. Quem me trará de volta? Qual o vínculo? Se alguém me perguntasse antes isto, se minha relação com a cidade passava por eles, eu teria rido. 'Jamais!', provavelmente, teria dito. Mas, caminhando nas redondezas da casa onde eles moraram no final, tudo isto surgiu em mim. Senti-me sem identidade.

Por isso rezamos sete dias, ou guardamos o luto por este tempo. Depois falamos no assunto com um mês. Depois com ano, quinquênio, decênio, cinquentenário de morte...São marcos inscritos no metabolismo das nossas células.

Como estou já de volta à vida normal, e só hoje faz uma semana que ele partiu, atropelei o tempo da vida para viver o luto. Deu esta melancolia. Ela bem cabe. Oro meu próprio Kadish, por meu próprio pai e minha própria mãe.