sexta-feira, 4 de abril de 2014

Estes públicos privados...


Um dos assuntos mais velhos do mundo. Mas, falo apenas do meu prédio. Moro num edifício (e poucos moradores sabem o que vou dizer) construído e arquitetado por um trio de renomados e talentosos arquitetos. Os irmãos Roberto. Seu escritório de arquitetura, nas décadas de 40 a 70, talvez, foi o MMM Roberto.  Renomados por adequarem, cuidadosamente, suas construções ao seu entorno. Renomados por provocarem conforto extremo aos ambientes, na luz, no espaço e na ventilação.

Entretanto, na ignorância conveniente de nossas vidas cotidianas, vamos alterando a fachada do renomado edifício. Vamos tomando decisões individuais, algumas, da moda. O prédio sem varandas, possui uma original plataforma em declive que se estende para o exterior, a partir da ampla vidraça da sala - um arquiteto nos disse que o declive é para que parque, à frente, possa ser avistado em sua plenitude frondosa. Pois, há algumas décadas, um morador "inventou" uma varanda.  O vizinho botou o declive no prumo com uma prancha em compensado, gradeou e, brejeiramente, botou ali cadeiras e vasos.

Como isto faz muito tempo, por muitos anos, ninguém mais reparava na varanda excêntrica. Existirá, cogito, a figura jurídica do uso capião de alterações em fachadas? Pois, numa reunião condominial, há algum tempo, uma outra vizinha, exaltada, gritava que a recuperação da fachada, de valor arquitetônico e histórico, só poderia ocorrer se o "puxadinho" do XXX fosse removido!

Questões de vizinhança, claro, mas veja que o público, no caso, a fachada comum do prédio, foi transformada para atender ao desejo particular de um morador. O público, para o XXX, tornou-se privado. 

E a questão não pára aí. Não vamos converter o XXX em bode expiatório. E os aparelhos de ar condicionado? Como ficam eles, diante de uma fachada "de valor arquitetônico e histórico"? Não falo apenas dos fora de moda. Falo também dos novos, silenciosos e discretos internamente, mas que expõem ao mundo caixas com ventiladores sem valor arquitetônico ou histórico. Nestes casos, pode? Será este o fim das esperanças que a vizinha esteta poderá alimentar em relação à fachada arquitetônica e histórica?

A verdade é que o direito ao frescor, de natureza privada, sobrepõe-se ao direito de exibir uma elegante fachada, de obvia natureza coletiva. E não esqueçamos, o valor arquitetônico e histórico da fronte do prédio valoriza o imóvel no mercado imobiliário. Mas, com a fachada retalhada com aparelhos refrescantes, o edifício do irmãos Roberto acaba por diferir bem pouco de outros que não ostentam a renomada história...

Num gesto emotivo, nesta tal reunião de condôminos,  gritamos - mulheres-  que, daquele momento em diante,  para modificar a fachada, todos teriam que falar com o síndico. Ele seria o mantenedor  do que restava da fachada original. E, se formos enganados, ficou subentendido, que nos enganemos uniforme e harmoniosamente, e não como cada um quer!