quarta-feira, 26 de abril de 2017

Índios, agronegócio e o futuro do Brasil

No filme Martírio (de Vincent Carelli) entende-se com clareza que o que, nos tempos atuais, impede a demarcação de terras indígenas é o agronegócio - a Bancada Ruralista - com sua postura de defesa a qualquer custo de seu negócio em detrimento e em profundo desprezo pela vida e pelos índios.




Esta é a turma de homens e mulheres que vimos proferir seus votos podres e obscenos contra o governo eleito de Dilma em abril do ano passado. Sua musa é Kátia Motosserra Abreu. Articulada, ela diz e repete no filme e na vida: "Já enfrentamos o MST, já vencemos os defensores do meio ambiente, e agora, temos nossas terras, nosso ganha-pão ameaçados pelos índios. Quando teremos paz para trabalhar e viver?" Reforçando seu discurso, a bancada se refere aos índios como vagabundos desocupados e diz que os índios que lutam por terras no Mato Grosso do Sul, por exemplo, são em verdade paraguaios... 

O que se vê ali é uma inversão de valores, a reinvenção da história. Ali o que se comete são crimes em forma de discursos, a retórica empregada em prol de uma proposta de país que exclui os povos originais, onde não sobra lugar para em que possam viver. Uma proposta que se apóia na força policial oficial e na de seguranças privadas para massacrar índios com tiros, fogo e emboscadas. Uma proposta de país que os pauperiza, desvaloriza sua cultura, e reserva a eles, tão somente, os  acostamentos de estradas.

E tudo isso em nome de plantar soja por todo o território nacional, da Amazônia ao Rio Grande do Sul. Essa soja que dá peso à balança comercial do Brasil, mas que o faz porque não contabiliza nele os custos ambientais e sociais de produzi-la. Esta soja que depaupera o solo e a biodiversidade, que polui e envenena águas. Essa que arrasa a vida por onde quer que passe, que sai do Brasil deixando rastros de destruição e morte para entrar no bolso fundo dos grandes fazendeiros do país. Esta soja que lança por avião seu veneno particular e sem o qual ela não existe ou resiste, lançando-o também sobre quem a planta, mas ainda sobre quem não a planta, sobre quem planta feijão e milho na roça, sobre quem planta árvore ou flor, sobre índios e caboclos, sobre crianças que brincam no terreiro ou no pátio das escolas, sobre animais silvestres e caseiros e sobre insetos polinizadores... Lança o veneno específico da soja transgênica* do alto, em nuvem sobre tudo, o veneno que tudo destrói, menos o que é soja transgênica. 

O tratamento que o Brasil dispensa às Etnias Indígenas no país é o retrato inequívoco do que somos, do modelo de país que temos, por opção ou por omissão. Este modelo é um que não enxerga o futuro, um em que o presente da nação está refém de um punhado de homens e mulheres que ganham fortunas com a exportação de soja transgênica, e outros que levam isso para a política. E o custo disso é a própria vida, é um  projeto diferente de país que muitos sonham. 

O que queremos? Que país queremos ser? Queremos mesmo que não haja vida, florestas diversas e animais, que não haja mais polinizadores ou agricultores familiares? Queremos mesmo que não haja índios, que estes povos não possam viver suas vidas em suas próprias culturas, que não possam beber água, brincar e pescar nos rios, que não possam caçar e colher frutos de árvores? Queremos mesmo permitir que por uma balança comercial obtusa, da qual o Brasil ganha muito pouco em impostos,  destrua o meio ambiente de onde vem o nosso alimento, ar e água para todos, que destrua a vida destas etnias guardiãs dos segredos das matas, dos rios e das chuvas?  

*glifosato, cujo nome comercial é RoundUp