quarta-feira, 4 de junho de 2014

PROTOCOLO DE NAGOYA: TRAJETO E PERSPECTIVA


Autora: Maysa Blay  maysablay@gmail.com
Professor: Celso Lage
RESUMOO Protocolo de Nagoya dará execução à Convenção da Diversidade Biológica, um dos marcos da Conferência Rio 92. Nos trabalhos que precederam seu texto final, houve um longo embate entre países desenvolvidos, usuários dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, e países em desenvolvimento, provedores destes recursos e saberes.  Ao fim, o Protocolo, que deve este ano ainda entrar em vigor, apresenta lacunas em temas polêmicos que seguem inconclusos. O Brasil, que trabalha na aprovação de uma lei interna que o recepcione, vem também enfrentando disputas, entre o Ministério da Agricultura, à frente da “bancada ruralista”, e o Ministério do Meio Ambiente. Para alguns especialistas, a entrada em vigor do Protocolo de Nagoya será uma oportunidade de se regulamentar o acesso. Para outros, especialmente os provedores de recursos genéticos e detentores de conhecimentos tradicionais, há um ressentimento em relação ao que parece ser a criação de um  instrumento que pende para o lado dos países desenvolvidos, e onde a questão da propalada justa e equitativa repartição de benefícios esperada parece, apesar dos esforços, longe de se concretizar.

PALAVRAS-CHAVE:  Protocolo de Nagoya, CDB, ABS.

ABSTRACT – Nagoya Protocol instructs the Convention on Biodiversity, a milestone in the Conference Rio 92. The work that preceded Nagoya’s final text underwent severe disputes between developed countries, users of genetic resources and associated traditional knowledge, and developing countries, major genetic resource providers. The final results, to take effect soon this year, present therefore severe gaps. Brazil, that is working an internal law to accommodate the international document, is also witnessing a dispute between the lobby for agribusiness, represented by the country’s Department of Agriculture, and the Environment Agency.  For some specialists, Nagoya Protocol will mean an opportunity to have legal access to resources. For others, especially among those from countries that provide resources and traditional knowledge, there is an ill feeling that the developed countries will benefit more from the document, and that the fair and equitable repartition of benefits, despite all efforts, remains far from concreteness.

KEYWORDS: Nagoya Protocol, CBD, ABS

1.                INTRODUÇÃO
No documentário “La Ruta de las Especias”, da TV educativa argentina Canal Encuentro, a comunidade tradicional de pequenos produtores de ervas, os Amaicha da província de Tucumã, discorrem sobre as plantas medicinais de sua flora e sobre os conhecimentos a elas associados. Os membros da comunidade apontam para plantas, dizem seus nomes – albahaca, jarilla, orégano, romero, tomillo, estragón, comino y anís(La Gaceta, 2014) - e contam para que são utilizadas, dor nos ossos, reumatismo, para ativar a memória, ou aliviar dores de  parturientes, são antissépticas, cicatrizadoras, ou mesmo usadas nas artroses.

 Fig. 1. Membros da comunidade Amaicha coletam ervas medicinais. (Série televisiva “La Ruta de las Especias”- Canal Encuentro). Fonte: (La Gaceta, 2014)

Esta comunidade, onde os anciãos são os xamãs conhecedores das propriedades medicinais  das plantas, uma senhora xamã fala que “é preciso ser brando com as plantas pois elas nos servem com generosidade”, demonstrando a relação orgânica que  mantém com as plantas e com os saberes delas derivados. E é este conhecimento, passado por gerações, nesta e em outras comunidades do mundo, o que está em jogo na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e nas duras disputas em torno do Protocolo de Nagoya (PN).  
O trabalho em curso relata fatos ligados à origem da CDB e segue para apresentar temas e a cronología da construção do Protocolo de Nagoya. Após percorrer este caminho, discorre sobre as expectativas de especialistas em relação à entrada em vigor do Protocolo, prestes a acontecer.

2.                A CDB

A II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, discutiu o desenvolvimento sustentável e as formas de se reverter a degradação ambiental em processo no planeta. Conhecida mundialmente como Rio 92 resultou em importantes acordos, como a Declaração do Rio, a Agenda 21, a Convenção do Clima e a CDB (RESK, 2011).
O que levou à criação da CDB foi o reconhecimento da necessidade de uma ação que contasse com a participação internacional, para combater a notável perda de diversidade biológica no planeta. No momento de sua aprovação, a Convenção assumiu três objetivos: a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus  componentes e a justa e equitativa partilha de benefícios derivados da utilização de recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais e eles associados (GREIBER et. al., 2012). A Convenção também preconizou que cada estado Membro, contratante da Convenção, adotasse as medidas cabíveis para promover, em seu território, a conservação e o uso sustentável dos elementos da diversidade biológica.
A CDB foi a primeira tentativa de se criar um mecanismo para regulamentar o “acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais a eles associados e a repartição de benefícios deles advindos” (ABS). Foi também a primeira vez em que uma abordagem global do ecossistema foi empregada e que se avançou para questões de cunho social e econômico (GREIBER, et. al. 2012). E foram os países em desenvolvimento, com sua forte presença nos diversos fóruns onde estas questões eram debatidas, que pressionaram por um tratamento justo e equitativo de acesso e a repartição de benefícios.
A adoção da CDB – e do Protocolo de Nagoya – teve por meta conter o acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento a eles associados que corriqueiramente tem sido feito sem critérios jurídicos - um problema de tal natureza grave e injusto que recebeu a alcunha de “biopirataria” (COSTA, 2013).  Para Tarin Alverne (2012)  os países megadiversos são desrespeitados em seus direitos e alijados dos benefícios que devem advir do acesso e da exploração da biodiversidade – realizadas de forma ilegal. Alverne acrescenta a falta de noções e condições de salvaguarda da biodiversidade, além da ausência de instrumentos legais e mecanismos de fiscalização sobre atividades de bio­prospecção.
A Convenção não apresenta regras específicas, detalhadas. Ao invés disto, coloca  princípios gerais a serem seguidos e cria uma base normativa global, de acordo com a qual os países signatários devem organizar seus esforços a fim de internalizar normas e criar instituições que recepcionem as questões relativas à proteção da biodiversidade. A CDB traz também - como as normas ambientais constitucionais - o princípio de precaução, que significa que, na ausência de certezas, não se deve agir -  princípio de extrema importância, considerando-se as lacunas de conhecimento  relativo à biodiversidade,  número e natureza das espécies e outras questões relacionadas (GAETANI et. al., 2013).

Como órgão subsidiário, a CDB legitimou a Conferência das Partes (COP). A função da COP é elaborar normas jurídicas especiais com a finalidade de manter em observação a adoção das medidas propostas pela Convenção e de viabilizar sua implementação (LERNER, 2008). 
A CDB gerou o Protocolo de Cartagena e o de Nagoya. O Protocolo de Cartagena, adotado em 2000, entrou em vigor em 2003; trata da biossegurança - do manuseio e transporte de organismos modificados, resultantes da biotecnologia, que podem produzir efeitos adversos sobre a diversidade biológica e a saúde humana. O Protocolo de Nagoya, cujas COPs iniciam-se em 2002, é adotado em 2010, e ainda não entrou em vigor; trata do acesso aos recursos genéticos e da justa e equitativa repartição de benefícios deles advindos (CDB, 2014).
A Convenção também estabelece os instrumentos PIC – Prior Informed Consent[1] -  e  MAT – Mutually Agreed Terms[2] , e a expressão ABS - Access and Benefit Sharing,[3] (empregada acima), que denota a base sobre a qual o Protocolo de Nagoya será construído.

3.                O PROTOCOLO DE NAGOYA
Em 2002, 10 anos após a realização da Conferência do Rio, e da aprovação da CDB, iniciaram-se as negociações para a adoção de um regime internacional de acesso e repartição de benefícios (ABS). Após oito anos, em 2010, e 18 anos após adoção da CDB, a ABS seria acordada entre as partes, e converter-se-ia no Protocolo de Nagoya para Acesso aos Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios, instrumento internacional de viabilização da CDB.
As disputas, que se deram ao longo de quase 20 anos, entre a aprovação da CDB e do Protocolo, foram entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento – Norte-Sul, usuários e fornecedores de recursos genéticos, respectivamente – e os temas principais debatidos foram biotecnologia, acesso aos recursos genéticos, propriedade intelectual e  conhecimento tradicional (SWIDERSKA, 2012). 
A adoção do Protocolo, na 10ª Conferência das Partes da CDB, tem como principais objetivos promover a justa e equitativa repartição de benefícios derivados dos recursos genéticos - que podem gerar produtos com interesse econômico, como no segmento farmacêutico - criar os devidos meios para acesso ao material genético e para a transferência de tecnologias relevantes, levando em conta os direitos sobre os recursos e sobre a tecnologia e o seu financiamento e contribuindo, desta forma, para a conservação da diversidade biológica e para a sustentabilidade de todos os elementos envolvidos (KOHSAKA, 2012).  
Em 2000, a COP 5 acontece no Quênia; a COP 6, de 2002, nos Países Baixos, a COP 7, de 2004, na Malásia; a COP 8, de 2006, no Brasil; a COP 9, de 2008, na Alemanha e a COP 10, de 2010, no Japão – em Nagoya. Alguns dos fatos mais controversos deste percurso do Protocolo são aqui apresentados

Obrigações de repartir benefícios  justos e equitativos.

Países que abrigam a biodiversidade

Países que abrigam indústrias

Países interessados em obter acesso legal aos Recursos Genéticos

A balança da ABS baseada nos princípios de
 Consentimento Prévio Informado e Termos Mutuamente Acordados.

Obrigações de facilitar
 o acesso aos Recursos Genéticos

Países provedores dos
Recursos Genéticos

Países interessados em receber benefícios derivados da utilização dos Recursos Genéticos

Usuários dos Recursos Genéticos
 

















Fig.2 Balança da ABS com base nos princípios do Consentimento Prévio Informado e dos Termos Mutuamente Acordados. Fonte: (GREIBER, et. al., 2012)
A entrada em vigor do Protocolo é esperada ainda para o ano de 2014, e se dará após 90 dias da ratificação do documento por ao menos 50 dos 193 países que participaram da COP-10.

3.1 Fatos e a Cronologia do Protocolo de Nagoya.
O Protocolo de Nagoya foi gerado a partir de inúmeros encontros da Convenção das Partes (COP), e de outros intermediários. A COP 4 se dá em 1998, na Eslováquia; na COP 6, de 2002, configuraram-se as Diretrizes de Bonn. Seu ponto mais polêmico foi a questão das informações voluntárias sobre o acesso. Contrários a esta posição estiveram os países em desenvolvimento e as ONGs, então presentes, que haviam se colocado em favor de que a informação sobre questões relativas a o acesso fosse obrigatórias, instruídas por um instrumento legal. Naquele momento, entretanto, como informa Kohsaka (2012), a decisão por informação voluntária era o possível.  Ainda que esta Convenção das Partes tenha findado com insatisfação por parte dos países provedores dos recursos genéticos, as Diretrizes de Bonn serviriam de modelo para o Protocolo de Nagoya (KOHSAKA, 2012).
Em 2005, o principal debate se deu em torno da constituição de um instrumento com força legal – o consenso sobre a criação de um protocolo ainda não estava ali definida. Mas, seria apenas em 2008, durante a COP 9, em Bonn, que haveriam de ser identificados os elementos constituintes do instrumento legal de nível internacional. Eram eles: o objetivo, o alcance (scope), os termos da repartição de benefícios, do acesso aos recursos genéticos, da conformidade (compliance) e dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos. 
Em julho de 2010, quando faltavam poucos meses para a data de encerramento dos trabalhos das Partes, surgiu a ideia de se criar Grupos de Negociação Inter-regionais.  (INGs), que teriam no máximo cinco representantes - um de cada agrupamento regional – África, Ásia, Europa Oriental e Central, América Latina e Caribe (o GULAC), Europa Ocidental - dois representantes de comunidades indígenas, ou locais, da sociedade civil, indústria, área acadêmica e os presidentes das Conferências – Alemanha e Japão. Estas INGs trabalharam intensamente, atrás de portas fechadas, ponto por ponto da ABS. Desta forma, alcançou-se considerável progresso (KOHSAKA, 2012).
Foi também durante as negociações do Protocolo de Nagoya que surgiu uma complexa interface entre biodiversidade e direitos de propriedade intelectu­al. As discussões em torno disto evidenciaram as divergências entre os países ricos em biodiversidade e os países detentores de biotecnologia. Para alguns, o pedido de patente poderia conter um requisito de “disclosure”, isto é, uma indicação da origem dos recursos e um demonstrativo do acesso haver sido realizado após o PIC e o MAT.
Havia, entretanto disputas que permaneciam sem decisão. Eram elas: Derivativos, Escopo Temporal (Scope), Repartição de Benefícios, Acesso, Conformidade (Compliance)/Checkpoints e Considerações Especiais.
Derivativos: a expressão se refere a compostos bioquímicos de ocorrência natural que resultam da expressão genética ou do metabolismo biológico ou de unidades genéticas, ainda que não contenha unidades hereditárias funcionais. (CDB, 2014).

A polêmica em torno desta questão é que compostos sintetizados a partir de elementos biológicos não estão sujeito, segundo esta definição, ao regime que o Protocolo impõe aos Derivativos (COSTA, 2013).

Escopo Temporal (Scope): trata do alcance e da aplicação retroativa dos regramentos criados pelo Protocolo.  Os países africanos reclamavam do desequilíbrio histórico em suas relações, principalmente, com os países europeus no tocante aos recursos genéticos e conhecimentos a eles associados, que vem, desde sempre, gerando medicamentos desenvolvidos e pateteados neste continente.  O  impasse foi aplacado com a proposta de criação de um fundo compensatório, o denominado “Mecanismo Global de Repartição de Benefícios Multilateral”. O fundo inclui medidas compensatórias monetárias e outras, como a capacitação dos beneficiários, pelo  uso de recursos de origem não identificável (KOHSAKA, 2012).

Repartição de benefícios: A repartição justa e equitativa de benefícios advindos da pesquisa, desenvolvimento e comercialização de produtos derivados de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais a eles associados está colocada, pelo Protocolo, no patamar da solução negociada caso-a-caso, através do estabelecimento de contratos, e respeitado o fundamento do MAT.
Acesso: A questão do ‘acesso’ é significativa de todos os embates. Por um lado, países desenvolvidos, aqueles que utilizam os recursos biológicos e os conhecimentos tradicionais  a eles ligados, esforçam-se por reduzir as restrições que se impõem ao acesso. Por outro, os países em desenvolvimento, provedores dos recursos genéticos e detentores dos conhecimentos tradicionais, trabalham no sentido de restringir o seu acesso. Dentro do que estabelece a CDB, que abarca o Protocolo, garante que PIC e MAT serão atendidos. 
Conformidade (Compliance)/Checkpoints: Sempre sob os fundamentos do PIC e MAT, a questão da conformidade tem como um de seus pontos centrais os “checkpoints” – pontos de monitoramento, designados pelas partes. Um dos exemplos mais polêmicos do que podem cumprir o papel de   ponto de checagem são os pedidos de Patente. Nestes casos, o depositante de um pedido de patente revelaria a origem do material acessado, sob pena de tê-lo arquivado. Estas questões, que envolveriam a OMC e a WIPO e impor-se-iam como restrições aos direitos de Propriedade Industrial, findaram por ser removidas da redação final do Protocolo De Nagoya[4]
Considerações especiais: referem-se a condições especiais de ABS nos casos de recursos que se destinam a pesquisas acadêmicas, não comerciais,  ou a solução de emergências,  como nas demandas derivada de impasses na  saúde pública. 

Nesta altura das negociações, em acordo como Kohsaka (2012), a Balança da ABS (Fig. 2), na percepção dos países em desenvolvimento, pendia fortemente para o lado dos países desenvolvidos. Prestes a ser concluído o acordo em torno do Protocolo, em outubro de 2010, e havendo pontos importantes ainda não acordados, o Ministro do Meio Ambiente do Japão e Presidente da COP 10, Ryu Matsumoto evocou para si a redação final do documento, no caso de seguirem inconclusas inúmeras questões. No encerrar dos debates, concluiu-se pela criação de fundo multilateral – Global Multilateral Benefit Sharing Mechanism.  Foram retiradas do texto as questões relativas aos “checkpoints” e à “retroatividade” da aplicação do Protocolo, e ao tema dos “derivativos”, que não haviam sido explicitados. Embora estas importantes questões seguissem sem esclarecimento, e também as relativas ao acesso para fins não comerciais ou de emergências, o Protocolo de Nagoya foi concluído com uma linguagem de consenso. 

 4. COMO O PROTOCOLO DE NAGOYA É VISTO POR  ESPECIALISTAS

As expectativas em relação à entrada em vigor do Protocolo de Nagoya variam de céticas a positivas ou críticas. Há a postura da doutora Vandana Shiva[5] (2012), para quem a defesa da biodiversidade, empunhada pela CDB, foi subvertida e substituída pela defesa dos direitos do capital e da privatização de recursos. Para Shiva, o Protocolo de Nagoya restringe o acesso aos dos recursos genéticos ignorando as necessidades das comunidades provedoras dos recursos e instala o que ela denomina de “Biopirataria legal”: permite o acesso a empresas, mas mina a biodiversidade e a cultura tradicional a ela associada, cultura necessária para a própria manutenção da biodiversidade. De forma mais ampla, Vandana Shiva crê que o CDB e o Protocolo de Nagoya contribuam para a destruição dos recursos biológicos, ao afastarem-se da lógica tradicional de conservação e compartilhamento, e ao estimularem a exploração e privatização de recursos, num claro aprofundamento da crise planetária.

Thomas Kursar[6] (2011) afirma que o Protocolo de Nagoya, como a CDB, padece de um fraco regime de implementação. Ao Protocolo e à Convenção, para o autor, faltam força que os tornem obrigatórios. Kursar classifica-os como instrumentos jurídicos declaratórios, que contam com medidas voluntárias. Para que tenham eficácia e agreguem valor à biodiversidade, agrega, é preciso haver instrumentos eficazes que permitam o acesso e a investigação - desta forma, diz, “a conservação estará resguardada”.  

Tarso Veloso (2013)[7] traz a perspectiva brasileira da discussão, revelando os bastidores preparatórios para a ratificação do Protocolo de Nagoya dentro do Congresso Nacional. Embatem-se ali, fundamentalmente, a “bancada ruralista”, encabeçada pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Veloso revela que a aprovação do texto do Protocolo pelo Brasil está condicionada à criação de uma nova lei nacional que regulamentará a utilização e o pagamento de recursos genéticos e a participação do Brasil em tratados complementares ao Protocolo. Um dos temas mais candentes deste embate é que a nova lei deverá incluir uma cláusula que não permita que sejam repassados ao consumidor valores relativos aos  pagamentos dos royalties para a agricultura – referindo-se aos royalties de pagamento  feitos  a empresas de biotecnologia por insumos e sementes manipuladas, como as transgênicas.
Brendan Tobin (2015)[8] aponta para os problemáticos aspectos de algumas lacunas deixadas no texto aprovado do Protocolo de Nagoya. Mais especificamente, o autor demonstra como o Protocolo não é claro na obrigatoriedade do emprego do PIC em caso de acesso, nem prevê o claro reconhecimento do direito consuetudinário dos grupos provedores dos recursos - códigos de populações tradicionais que estão fora do escopo jurídico das nações, mas que estão sob a proteção da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.  O Protocolo também não prevê sanções para o desrespeito aos direitos destas populações. Nestes casos, afirma Tobin, será a justiça de cada país, as ONGs ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos os fóruns para solução dos impasses.
Tarin Alverne (2012)[9] prevê que os resultados da ratificação do Protocolo de Nagoya não serão sentidos de imediato. Para a autora, as legislações nacionais, a serem desenvolvidas, podem levar anos, uma vez que os países fornecedores de recursos genéticos possuem, no geral, menos condições de fazê-lo  âmbito interno.

5. CONCLUSÕES

Porque após 18 anos de adoção da CDB, a criação de um Protocolo se mostrou necessária? Tarin Alverne (2012) discute como neste período os dispositivos criados pela Convenção não eram aplicados. De especial interesse, eram os que se referiam ao acesso e à repartição dos benefícios. Os países provedores de recursos genéticos e detentores de conhecimentos tradicionais, não haviam alcançado com a Convenção uma definição sobre benefícios econômicos derivados da permissão de acesso à biodiversidade em cada país megadiverso.

Entretanto, passada a conclusão do texto final do Protocolo de Nagoya, alguns pontos importantes, dentro das controvérsias entre países megadiversos e os detentores de biotecnologia - como derivativos, conformidade, checkpoints e, a mais importante, a “justa e equitativa” repartição de benefícios - seguem pendentes. Dentro do que prevê o Protocolo - os mecanismos multilaterais de negociações - estas importantes questões, ainda inconclusas, deverão seguir em debate.

Dentro do que se espera da ratificação do Protocolo de Nagoya, ainda são poucos os autores que se arriscam a uma previsão. A maior parte dos textos que se encontra trata da cronologia da ratificação, e de expectativas genéricas. Autores conectados com países desenvolvidos encontram-se ansiosos por ter condições de acesso a recursos genéticos de forma legal. O Brasil, como outros países em desenvolvimento, está elaborando uma lei nacional para recepcionar o que dispõe o Protocolo. 

Resta ao mundo aguardar e ver se os esforços e as esperanças positivas em torno do Protocolo de Nagoya irão se concretizar. Será o mundo capaz de seguir os nobres princípios das Convenções, como a CDB, e o aquilo que estabelecem seus protocolos? Avançaremos ou repetiremos a experiência de Kyoto, que fracassou e que, agora, retoma seus esforços de reduzir o Efeito Estufa permitindo-se um novo prazo, até 2020? Está o mundo disposto e terá vontade forte o suficiente para se preservar e para  preservar seus recursos para as próximas gerações?               
    
6. REFERÊNCIAS

AVERNE, Tarin C. F. O acesso aos recursos genéticos e o Protocolo de Nagoya. EDELVACY, Maria; CASLING, Renata (org.)  Propriedade Intelectual e Meio Ambiente. Brasília: Dreams Gráfica e Editora, 2012.
CDB. Convention Protocols. Nagoya Protocol. The Nagoya Protocol on Acess and Benefit-Sharing. 2014. Disponível em < http://www.cbd.int/abs/> Acesso em mai 2014. 
COSTA, Fernanda Bianco. O Protocolo de Nagoya e o quadro legislativo brasileiro de acesso aos recursos genéticos. RIDB, Ano 2 (2013). n. 11. 12213-12274. ISSN: 2182-7567. 2013. Disponível em <http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_11_12213_12274.pdf>. Acesso em  mai 2014.  
KOHSAKA, Ryu. The negotiating history of the Nagoya Protocol on ABS: perspective from Japan. IPAJ. ISSN 1349-421X. 2012. Disponível em < http://www.ipaj.org/english_journal/pdf/9-1_Kohsaka.pdf>. Acesso em mai 2014.
KURSAR, Thomas. What Are the Implications of the Nagoya Protocol for Research on Biodiversity? Oxford Jounals. Biosciences. Volume 61 n. 4. Abril 2011.
GAETANI, Francisco. [et. al.]. Org. O Brasil na agenda internacional para o desenvolvimento sustentável: um olhar externo sobre os desafios e oportunidades nas negociações de clima, biodiversidade e substâncias químicas. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Brasília. MMA, 2012. 190 p.: il. color. ISBN 978-85-7738-177-7
GREIBER, Thomas; MORENO, Sonia Peña; AHREN,  Mattias; CARRASCO, Jimena Nieto Carrasco, KAMAU, Evanson C.; MEDAGLIA, Jorge C.; FREDERIC, Maria Julia O. An explanatory guide to the Nagoya Protocol on access and benefit-sharing.  2012. . IUCN, Gland. Switzerland. xviii + 372 pp.
La Gaceta. Ocio y espetáculos. “La ruta de las especias” tuvo su escala em Amaicha. Documental sobre hierbas aromáticas y medicinales em el Canal Encuentro. 2014. Disponível em < http://www.lagaceta.com.ar/nota/589307/ocio-espectaculos/ruta-especias-tuvo-escala-amaicha.html>. Acesso em de mai 2014.
LERNER, Lucy. A convenção da diversidade biológica – CDB. A tutela jurídica da diversidade biológica. Universidade de São Paulo. Associação Nacional de Pós-Graduação. Pesquisa em ambiente e Sociedade. 2008. Disponível em  < http://www.anppas.org.br/encontro4/cd/ARQUIVOS/GT13-416-159-20080510170925.pdf>. Acesso em mai 2014.
RESK, Sucena S. Fique por dentro: o que foi a Rio 92 e o que esperar da Rio+20. Encontro preparatório para a Rio+20. Planeta Sustentável. Cultivando Águaboa. Disponível em < http://www.cultivandoaguaboa.com.br/noticias/fique-por-dentro-o-que-foi-a-rio-92-e-o-que-esperar-da-rio20>. Acesso em mai 2014.
SHIVA, Vandana. Eco warriors, Arise! Countercurrents.org. Asianage. 2012. Disponível em <http://www.countercurrents.org/shiva230512.htm>. Acesso em mai 2014.
TOBIN, Brendan Bridging the Nagoya Compliance Gap: The Fundamental Role of Customary Law in Protection of Indigenous Peoples’ Resource and Knowledge Rights’, 9/2 Law, Environment and Development Journal (2013), p. 142, Disponível em < http://www.lead-journal.org/content/13142.pdf> Acesso em mai 2014.
VELOSO, Tarso, apud. IHU. Instituto Humanitas Unisinos. Consenso à vista sobre Protocolo de Nagoya. Notícias. 2013. Disponível em < http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519700-consenso-a-vista-sobre-protocolo-de-nagoya>. Acesso em mai 2014.  






[1] Por PIC, Consentimento Prévio Fundamentado, entende-se que a parte provedora dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados deverá consentir em fornecê-los de maneira segura e transparente; além disto, o sistema deve tornar claro quem são as Autoridades Competentes. Nesta questão, surgiu um embate entre Estados nacionais, e povos indígenas, uma vez que seriam os Estados que dariam o consentimento, ou o recusariam, para acesso. A estas populações coube apenas “aprovar e se envolver”, e não consentir.  Para Costa (2013) falta, muitas vezes, vontade política dos Estados para estabelecerem instrumentos que viabilizem uma maior participação destas populações nos assuntos que lhes dizem respeito direto.
[2] MAT, Termos Mutuamente Acordados, significa, em termos gerais, ao se conceder o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados, devam as partes estar de comum acordo. Dentre polêmicas que aqui também surgem, a que mais se destaca é a crítica de que o CDB promove acordos bilaterais, e não multilaterais, Nestes primeiros, o que historicamente ocorre é um desequilíbrio de forças entre países usuários dos recursos genéticos e os que os proveem, como os povos indígenas. 

[3] Na questão da ABS, Acesso e Repartição de Benefícios, o que se depreende é que, uma vez tendo ocorrido o consentimento do PIC, e o acordo do MAT, deve, por conseguinte, ocorrer a partilha dos resultados da pesquisa e desenvolvimento, e dos produtos comerciais que disto derivam, e esta partilha deverá se dar de forma justa e equitativa. Também aqui, o conceito, na prática, se mostra dificultoso. O que mais se discute é a falta de respeito dos países que utilizam os recursos, em relação aos que possibilitam o seu acesso.

[4] A WIPO e o WTO vem debatendo , em seu próprios fóruns, formas de fazer frente à ABS e dialogar com a CDB.
[5] Dr. Vandana Shiva é filósofa, ativista ambiental e “eco- feminista”; é também fundadora e diretora do Navdanya Research Foundation for Science, Technology, and Ecology (Índia).

[6] Thomas A. Kursar é membro do Departamento de Biologia da Universidade de Utah, em Salt Lake City (USA), e do Smithsonian Tropical Research Institut, na Cidade do Panamá (Panamá).

[7] Tarso Veloso, jornalista Jornal Valor.
[8] Brendan M. Tobin. Pesquisador da  ACIPA, Griffith Law School, South Bank Campus, University.
[9] Tarin M. Alverne. Professora da Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Ceara (UFC)

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