Professor: Celso Lage
RESUMO – O Protocolo de
Nagoya dará execução à Convenção da Diversidade Biológica, um dos marcos da Conferência
Rio 92. Nos trabalhos que precederam seu texto final, houve um longo embate
entre países desenvolvidos, usuários dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais
associados, e países em desenvolvimento, provedores destes recursos e saberes. Ao fim, o Protocolo, que deve este ano ainda
entrar em vigor, apresenta lacunas em temas polêmicos que seguem inconclusos. O
Brasil, que trabalha na aprovação de uma lei interna que o recepcione, vem também
enfrentando disputas, entre o Ministério da Agricultura, à frente da “bancada
ruralista”, e o Ministério do Meio Ambiente. Para alguns especialistas, a
entrada em vigor do Protocolo de Nagoya será uma oportunidade de se
regulamentar o acesso. Para outros, especialmente os provedores de recursos
genéticos e detentores de conhecimentos tradicionais, há um ressentimento em
relação ao que parece ser a criação de um
instrumento que pende para o lado dos países desenvolvidos, e onde a
questão da propalada justa e equitativa repartição de benefícios esperada
parece, apesar dos esforços, longe de se concretizar.
PALAVRAS-CHAVE:
Protocolo de Nagoya, CDB, ABS.
ABSTRACT – Nagoya Protocol instructs the Convention on Biodiversity, a milestone in the Conference Rio 92.
The work that preceded Nagoya’s final text underwent severe disputes between
developed countries, users of genetic resources and associated traditional
knowledge, and developing countries, major genetic resource providers. The
final results, to take effect soon this year, present therefore severe gaps.
Brazil, that is working an internal law to accommodate the international
document, is also witnessing a dispute between the lobby for agribusiness,
represented by the country’s Department of Agriculture, and the Environment
Agency. For some specialists, Nagoya
Protocol will mean an opportunity to have legal access to resources. For
others, especially among those from countries that provide resources and
traditional knowledge, there is an ill feeling that the developed countries
will benefit more from the document, and that the fair and equitable
repartition of benefits, despite all efforts, remains far from concreteness.
KEYWORDS: Nagoya Protocol, CBD, ABS
1.
INTRODUÇÃO
No
documentário “La Ruta de las Especias”,
da TV educativa argentina Canal Encuentro, a comunidade tradicional de pequenos
produtores de ervas, os Amaicha da província de Tucumã, discorrem sobre as
plantas medicinais de sua flora e sobre os conhecimentos a elas associados. Os
membros da comunidade apontam para plantas, dizem seus nomes – “albahaca,
jarilla, orégano, romero, tomillo, estragón, comino y anís” (La Gaceta, 2014) - e contam para que são utilizadas, dor nos ossos, reumatismo, para ativar a memória, ou aliviar
dores de parturientes, são antissépticas,
cicatrizadoras, ou mesmo usadas nas artroses.
Fig. 1. Membros da comunidade Amaicha coletam ervas
medicinais. (Série televisiva “La Ruta de las Especias”- Canal Encuentro). Fonte:
(La Gaceta, 2014)
Esta comunidade, onde os anciãos são os xamãs
conhecedores das propriedades medicinais das plantas, uma senhora xamã fala que “é
preciso ser brando com as plantas pois elas nos servem com generosidade”,
demonstrando a relação orgânica que
mantém com as plantas e com os saberes delas derivados. E é este
conhecimento, passado por gerações, nesta e em outras comunidades do mundo, o
que está em jogo na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e nas duras disputas
em torno do Protocolo de Nagoya (PN).
O trabalho em curso relata fatos ligados à origem
da CDB e segue para apresentar temas e a cronología da construção do Protocolo
de Nagoya. Após percorrer este caminho, discorre sobre as expectativas de
especialistas em relação à entrada em vigor do Protocolo, prestes a acontecer.
2.
A CDB
A II
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, realizada
no Rio de Janeiro, em 1992, discutiu o desenvolvimento sustentável e as formas
de se reverter a degradação ambiental em processo no planeta. Conhecida mundialmente
como Rio 92 resultou em importantes acordos, como a Declaração do Rio, a Agenda
21, a Convenção do Clima e a CDB (RESK, 2011).
O que levou à
criação da CDB foi o reconhecimento da necessidade de uma ação que contasse com
a participação internacional, para combater a notável perda de diversidade
biológica no planeta. No momento de sua aprovação, a Convenção assumiu três
objetivos: a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de
seus componentes e a justa e equitativa
partilha de benefícios derivados da utilização de recursos genéticos e dos
conhecimentos tradicionais e eles associados (GREIBER et. al., 2012). A Convenção também preconizou que cada estado
Membro, contratante da Convenção, adotasse as medidas cabíveis para promover,
em seu território, a conservação e o uso sustentável dos elementos da
diversidade biológica.
A CDB foi a
primeira tentativa de se criar um mecanismo para regulamentar o “acesso aos
recursos genéticos e conhecimentos tradicionais a eles associados e a
repartição de benefícios deles advindos” (ABS). Foi também a primeira vez em que
uma abordagem global do ecossistema foi empregada e que se avançou para
questões de cunho social e econômico (GREIBER, et. al. 2012). E foram os países em desenvolvimento, com sua forte
presença nos diversos fóruns onde estas questões eram debatidas, que
pressionaram por um tratamento justo e equitativo de acesso e a repartição de
benefícios.
A adoção da CDB – e do Protocolo
de Nagoya – teve por meta conter o acesso aos recursos genéticos e ao
conhecimento a eles associados que corriqueiramente tem sido feito sem
critérios jurídicos - um problema de tal natureza grave e injusto que recebeu a
alcunha de “biopirataria” (COSTA, 2013).
Para Tarin Alverne (2012) os países megadiversos são desrespeitados em
seus direitos e alijados dos benefícios que devem advir do acesso e da exploração
da biodiversidade – realizadas de forma ilegal. Alverne acrescenta a falta de noções
e condições de salvaguarda da biodiversidade, além da ausência de instrumentos legais
e mecanismos de fiscalização sobre atividades de bioprospecção.
A
Convenção não apresenta regras específicas, detalhadas. Ao invés disto,
coloca princípios gerais a serem
seguidos e cria uma base normativa global, de acordo com a qual os países
signatários devem organizar seus esforços a fim de internalizar normas e criar instituições
que recepcionem as questões relativas à proteção da biodiversidade. A CDB traz também
- como as normas ambientais constitucionais - o princípio de precaução, que
significa que, na ausência de certezas, não se deve agir - princípio de extrema importância,
considerando-se as lacunas de conhecimento
relativo à biodiversidade, número
e natureza das espécies e outras questões relacionadas (GAETANI et. al., 2013).
Como
órgão subsidiário, a CDB legitimou a Conferência das Partes (COP). A função da
COP é elaborar normas jurídicas especiais com a finalidade de manter em
observação a adoção das medidas propostas pela Convenção e de viabilizar sua
implementação (LERNER, 2008).
A CDB gerou o
Protocolo de Cartagena e o de Nagoya. O Protocolo de Cartagena, adotado em 2000,
entrou em vigor em 2003; trata da biossegurança - do manuseio e transporte de
organismos modificados, resultantes da biotecnologia, que podem produzir
efeitos adversos sobre a diversidade biológica e a saúde humana. O Protocolo de
Nagoya, cujas COPs iniciam-se em 2002, é adotado em 2010, e ainda não entrou em
vigor; trata do acesso aos recursos genéticos e da justa e equitativa
repartição de benefícios deles advindos (CDB, 2014).
A Convenção também
estabelece os instrumentos PIC – Prior
Informed Consent[1]
- e MAT – Mutually
Agreed Terms[2]
, e a expressão ABS - Access and Benefit
Sharing,[3] (empregada
acima), que denota a base sobre a qual o Protocolo de Nagoya será construído.
3.
O PROTOCOLO DE NAGOYA
Em 2002, 10 anos
após a realização da Conferência do Rio, e da aprovação da CDB, iniciaram-se as
negociações para a adoção de um regime internacional de acesso e repartição de
benefícios (ABS). Após oito anos, em 2010, e 18 anos após adoção da CDB, a ABS
seria acordada entre as partes, e converter-se-ia no Protocolo de Nagoya para
Acesso aos Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios, instrumento
internacional de viabilização da CDB.
As disputas, que
se deram ao longo de quase 20 anos, entre a aprovação da CDB e do Protocolo,
foram entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento – Norte-Sul,
usuários e fornecedores de recursos genéticos, respectivamente – e os temas principais
debatidos foram biotecnologia, acesso aos recursos genéticos, propriedade
intelectual e conhecimento tradicional (SWIDERSKA, 2012).
A adoção do Protocolo,
na 10ª Conferência das Partes da CDB, tem como principais objetivos promover a
justa e equitativa repartição de benefícios derivados dos recursos genéticos - que
podem gerar produtos com interesse econômico, como no segmento farmacêutico -
criar os devidos meios para acesso ao material genético e para a transferência
de tecnologias relevantes, levando em conta os direitos sobre os recursos e
sobre a tecnologia e o seu financiamento e contribuindo, desta forma, para a
conservação da diversidade biológica e para a sustentabilidade de todos os
elementos envolvidos (KOHSAKA, 2012).
Em 2000, a COP 5
acontece no Quênia; a COP 6, de 2002, nos Países Baixos, a COP 7, de 2004, na
Malásia; a COP 8, de 2006, no Brasil; a COP 9, de 2008, na Alemanha e a COP 10,
de 2010, no Japão – em Nagoya. Alguns dos fatos mais controversos
deste percurso do Protocolo são aqui apresentados
Obrigações de repartir
benefícios justos e equitativos.
|
Países que abrigam a
biodiversidade
|
Países que abrigam indústrias
|
Países interessados em obter
acesso legal aos Recursos Genéticos
|
A balança da ABS baseada nos
princípios de
Consentimento Prévio Informado e Termos
Mutuamente Acordados.
|
Obrigações de facilitar
o acesso aos Recursos Genéticos
|
Países provedores dos
Recursos Genéticos
|
Países interessados em receber
benefícios derivados da utilização dos Recursos Genéticos
|
Usuários dos Recursos Genéticos
|
Fig.2 Balança da
ABS com base nos princípios do Consentimento Prévio Informado e dos Termos
Mutuamente Acordados. Fonte: (GREIBER, et.
al., 2012)
A
entrada em vigor do Protocolo é esperada ainda para o ano de 2014, e se dará
após 90 dias da ratificação do documento por ao menos 50 dos 193 países que
participaram da COP-10.
3.1
Fatos e a Cronologia do Protocolo de Nagoya.
O Protocolo de Nagoya
foi gerado a partir de inúmeros encontros da Convenção das Partes (COP), e de outros
intermediários. A COP 4 se dá em 1998, na Eslováquia; na COP 6, de 2002, configuraram-se
as Diretrizes de Bonn. Seu ponto mais polêmico foi a questão das informações
voluntárias sobre o acesso. Contrários a esta posição estiveram os países em
desenvolvimento e as ONGs, então presentes, que haviam se colocado em favor de
que a informação sobre questões relativas a o acesso fosse obrigatórias,
instruídas por um instrumento legal. Naquele momento, entretanto, como informa
Kohsaka (2012), a decisão por informação voluntária era o possível. Ainda que esta Convenção das Partes tenha
findado com insatisfação por parte dos países provedores dos recursos
genéticos, as Diretrizes de Bonn serviriam de modelo para o Protocolo de Nagoya
(KOHSAKA, 2012).
Em 2005, o
principal debate se deu em torno da constituição de um instrumento com força
legal – o consenso sobre a criação de um protocolo ainda não estava ali
definida. Mas, seria apenas em 2008, durante a COP 9, em Bonn, que haveriam de
ser identificados os elementos constituintes do instrumento legal de nível
internacional. Eram eles: o objetivo, o alcance (scope), os termos da repartição de benefícios, do acesso aos
recursos genéticos, da conformidade (compliance)
e dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos.
Em julho de
2010, quando faltavam poucos meses para a data de encerramento dos trabalhos
das Partes, surgiu a ideia de se criar Grupos de Negociação Inter-regionais. (INGs), que teriam no máximo cinco
representantes - um de cada agrupamento regional – África, Ásia, Europa
Oriental e Central, América Latina e Caribe (o GULAC), Europa Ocidental - dois
representantes de comunidades indígenas, ou locais, da sociedade civil,
indústria, área acadêmica e os presidentes das Conferências – Alemanha e Japão.
Estas INGs trabalharam intensamente, atrás de portas fechadas, ponto por ponto
da ABS. Desta forma, alcançou-se considerável progresso (KOHSAKA, 2012).
Foi também durante as
negociações do Protocolo de Nagoya que surgiu uma complexa interface entre
biodiversidade e direitos de propriedade intelectual. As discussões em torno
disto evidenciaram as divergências entre os países ricos em biodiversidade e os
países detentores de biotecnologia. Para alguns, o pedido de patente poderia
conter um requisito de “disclosure”,
isto é, uma indicação da origem dos recursos e um demonstrativo do acesso haver
sido realizado após o PIC e o MAT.
Havia,
entretanto disputas que permaneciam sem decisão. Eram elas: Derivativos, Escopo
Temporal (Scope), Repartição de
Benefícios, Acesso, Conformidade (Compliance)/Checkpoints e Considerações Especiais.
Derivativos:
a expressão se refere a compostos
bioquímicos de ocorrência natural que resultam da expressão genética ou do
metabolismo biológico ou de unidades genéticas, ainda que não contenha unidades
hereditárias funcionais. (CDB, 2014).
A polêmica em torno desta questão é que compostos sintetizados a partir
de elementos biológicos não estão sujeito, segundo esta definição, ao regime
que o Protocolo impõe aos Derivativos (COSTA, 2013).
Escopo
Temporal (Scope): trata do alcance e da
aplicação retroativa dos regramentos criados pelo Protocolo. Os
países africanos reclamavam do desequilíbrio histórico em suas relações,
principalmente, com os países europeus no tocante aos recursos genéticos e
conhecimentos a eles associados, que vem, desde sempre, gerando medicamentos
desenvolvidos e pateteados neste continente.
O impasse foi aplacado com a
proposta de criação de um fundo compensatório, o denominado “Mecanismo Global
de Repartição de Benefícios Multilateral”. O fundo inclui medidas
compensatórias monetárias e outras, como a capacitação dos beneficiários,
pelo uso de recursos de origem não
identificável (KOHSAKA, 2012).
Repartição
de benefícios: A repartição justa e equitativa de
benefícios advindos da pesquisa, desenvolvimento e comercialização de produtos
derivados de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais a eles
associados está colocada, pelo Protocolo, no patamar da solução negociada
caso-a-caso, através do estabelecimento de contratos, e respeitado o fundamento
do MAT.
Acesso:
A
questão do ‘acesso’ é significativa de todos os embates. Por um lado, países
desenvolvidos, aqueles que utilizam os recursos biológicos e os conhecimentos
tradicionais a eles ligados, esforçam-se
por reduzir as restrições que se impõem ao acesso. Por outro, os países em
desenvolvimento, provedores dos recursos genéticos e detentores dos
conhecimentos tradicionais, trabalham no sentido de restringir o seu acesso.
Dentro do que estabelece a CDB, que abarca o Protocolo, garante que PIC e MAT
serão atendidos.
Conformidade
(Compliance)/Checkpoints: Sempre sob os fundamentos do PIC e
MAT, a questão da conformidade tem como um de seus pontos centrais os “checkpoints” – pontos de monitoramento,
designados pelas partes. Um dos exemplos mais polêmicos do que podem cumprir o
papel de ponto de checagem são os pedidos
de Patente. Nestes casos, o depositante de um pedido de patente revelaria a
origem do material acessado, sob pena de tê-lo arquivado. Estas questões, que
envolveriam a OMC e a WIPO e impor-se-iam como restrições aos direitos de
Propriedade Industrial, findaram por ser removidas da redação final do
Protocolo De Nagoya[4].
Considerações
especiais: referem-se a condições especiais de ABS
nos casos de recursos que se destinam a pesquisas acadêmicas, não comerciais, ou a solução de emergências, como nas demandas derivada de impasses na saúde pública.
Nesta altura das
negociações, em acordo como Kohsaka (2012), a Balança da ABS (Fig. 2), na
percepção dos países em desenvolvimento, pendia fortemente para o lado dos
países desenvolvidos. Prestes a ser concluído o acordo em torno do Protocolo, em
outubro de 2010, e havendo pontos importantes ainda não acordados, o Ministro
do Meio Ambiente do Japão e Presidente da COP 10, Ryu Matsumoto evocou para si
a redação final do documento, no caso de seguirem inconclusas inúmeras
questões. No encerrar dos debates, concluiu-se pela criação de fundo
multilateral – Global Multilateral
Benefit Sharing Mechanism. Foram retiradas
do texto as questões relativas aos “checkpoints”
e à “retroatividade” da aplicação do Protocolo, e ao tema dos “derivativos”,
que não haviam sido explicitados. Embora estas importantes questões seguissem
sem esclarecimento, e também as relativas ao acesso para fins não comerciais ou
de emergências, o Protocolo de Nagoya foi concluído com uma linguagem de
consenso.
4. COMO O PROTOCOLO DE NAGOYA É
VISTO POR ESPECIALISTAS
As expectativas em relação à
entrada em vigor do Protocolo de Nagoya variam de céticas a positivas ou
críticas. Há a postura da doutora Vandana Shiva[5] (2012),
para quem a defesa da biodiversidade, empunhada pela CDB, foi subvertida e
substituída pela defesa dos direitos do capital e da privatização de
recursos. Para Shiva, o Protocolo de Nagoya restringe o acesso aos dos recursos
genéticos ignorando as necessidades das comunidades provedoras dos recursos e
instala o que ela denomina de “Biopirataria legal”: permite o acesso a
empresas, mas mina a biodiversidade e a cultura tradicional a ela associada,
cultura necessária para a própria manutenção da biodiversidade. De forma mais
ampla, Vandana Shiva crê que o CDB e o Protocolo de Nagoya contribuam para a
destruição dos recursos biológicos, ao afastarem-se da lógica tradicional de
conservação e compartilhamento, e ao estimularem a exploração e privatização de
recursos, num claro aprofundamento da crise planetária.
Thomas Kursar[6]
(2011) afirma que o Protocolo de Nagoya, como a CDB, padece
de um fraco regime de implementação. Ao Protocolo e à Convenção, para o autor, faltam
força que os tornem obrigatórios. Kursar classifica-os como instrumentos
jurídicos declaratórios, que contam com medidas voluntárias. Para que tenham
eficácia e agreguem valor à biodiversidade, agrega, é preciso haver instrumentos
eficazes que permitam o acesso e a investigação - desta forma, diz, “a
conservação estará resguardada”.
Tarso Veloso (2013)[7] traz a perspectiva brasileira da discussão, revelando os bastidores preparatórios
para a ratificação do Protocolo de Nagoya dentro do Congresso Nacional. Embatem-se
ali, fundamentalmente, a “bancada ruralista”, encabeçada pelo Ministério da
Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Ministério do Meio Ambiente
(MMA). Veloso revela que a aprovação do texto do Protocolo pelo
Brasil está condicionada à criação de uma nova lei nacional que regulamentará a
utilização e o pagamento de recursos genéticos e a participação do Brasil em
tratados complementares ao Protocolo.
Um dos temas mais candentes deste embate é que a nova lei
deverá incluir uma cláusula que não permita que sejam repassados ao consumidor
valores relativos aos pagamentos dos
royalties para a agricultura – referindo-se aos royalties de pagamento feitos
a empresas de biotecnologia por insumos e sementes manipuladas, como as transgênicas.
Brendan Tobin (2015)[8] aponta para os problemáticos aspectos de algumas lacunas deixadas no
texto aprovado do Protocolo de Nagoya. Mais especificamente, o autor demonstra
como o Protocolo não é claro na obrigatoriedade do emprego do PIC em caso de
acesso, nem prevê o claro reconhecimento do direito consuetudinário dos grupos
provedores dos recursos - códigos de populações tradicionais que estão fora do
escopo jurídico das nações, mas que estão sob a proteção da Declaração
das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O Protocolo também não prevê
sanções para o desrespeito aos direitos destas populações. Nestes casos, afirma
Tobin, será a justiça de cada país, as ONGs ou a Corte Interamericana de
Direitos Humanos os fóruns para solução dos impasses.
Tarin Alverne (2012)[9] prevê que os resultados
da ratificação do Protocolo de Nagoya não serão sentidos de imediato. Para a
autora, as legislações nacionais, a serem desenvolvidas, podem levar anos, uma
vez que os países fornecedores de recursos genéticos possuem, no geral, menos
condições de fazê-lo âmbito interno.
5. CONCLUSÕES
Porque após 18 anos
de adoção da CDB, a criação de um Protocolo se mostrou necessária? Tarin Alverne
(2012) discute como neste período os dispositivos criados pela Convenção não
eram aplicados. De especial interesse, eram os que se referiam ao acesso e à repartição
dos benefícios. Os países provedores de recursos genéticos e detentores de
conhecimentos tradicionais, não haviam alcançado com a Convenção uma definição
sobre benefícios econômicos derivados da permissão de acesso à biodiversidade em
cada país megadiverso.
Entretanto,
passada a conclusão do texto final do Protocolo de Nagoya, alguns pontos
importantes, dentro das controvérsias entre países megadiversos e os detentores
de biotecnologia - como derivativos, conformidade, checkpoints e, a mais importante, a “justa e equitativa” repartição
de benefícios - seguem pendentes. Dentro do que prevê o Protocolo - os
mecanismos multilaterais de negociações - estas importantes questões, ainda
inconclusas, deverão seguir em debate.
Dentro
do que se espera da ratificação do Protocolo de Nagoya, ainda são poucos os
autores que se arriscam a uma previsão. A maior parte dos textos que se
encontra trata da cronologia da ratificação, e de expectativas genéricas.
Autores conectados com países desenvolvidos encontram-se ansiosos por ter
condições de acesso a recursos genéticos de forma legal. O Brasil, como outros
países em desenvolvimento, está elaborando uma lei nacional para recepcionar o
que dispõe o Protocolo.
Resta
ao mundo aguardar e ver se os esforços e as esperanças positivas em torno do
Protocolo de Nagoya irão se concretizar. Será o mundo capaz de seguir os nobres
princípios das Convenções, como a CDB, e o aquilo que estabelecem seus protocolos?
Avançaremos ou repetiremos a experiência de Kyoto, que fracassou e que, agora,
retoma seus esforços de reduzir o Efeito Estufa permitindo-se um novo prazo,
até 2020? Está o mundo disposto e terá vontade forte o suficiente para se preservar
e para preservar seus recursos para as
próximas gerações?
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Acesso em mai 2014.
[1] Por PIC, Consentimento Prévio Fundamentado, entende-se que a parte
provedora dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados
deverá consentir em fornecê-los de maneira segura e transparente; além disto, o
sistema deve tornar claro quem são as Autoridades Competentes. Nesta questão,
surgiu um embate entre Estados nacionais, e povos indígenas, uma vez que seriam
os Estados que dariam o consentimento, ou o recusariam, para acesso. A estas
populações coube apenas “aprovar e se envolver”, e não consentir. Para Costa (2013) falta, muitas vezes,
vontade política dos Estados para estabelecerem instrumentos que viabilizem uma
maior participação destas populações nos assuntos que lhes dizem respeito
direto.
[2] MAT,
Termos Mutuamente Acordados, significa, em termos gerais, ao se conceder o
acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados,
devam as partes estar de comum acordo. Dentre polêmicas que aqui também surgem,
a que mais se destaca é a crítica de que o CDB promove acordos bilaterais, e
não multilaterais, Nestes primeiros, o que historicamente ocorre é um
desequilíbrio de forças entre países usuários dos recursos genéticos e os que
os proveem, como os povos indígenas.
[3] Na questão da ABS, Acesso e Repartição de Benefícios, o que se depreende é que,
uma vez tendo ocorrido o consentimento do PIC, e o acordo do MAT, deve, por
conseguinte, ocorrer a partilha dos resultados da pesquisa e desenvolvimento, e
dos produtos comerciais que disto derivam, e esta partilha deverá se dar de
forma justa e equitativa. Também aqui, o conceito, na prática, se mostra
dificultoso. O que mais se discute é a falta de respeito dos países que
utilizam os recursos, em relação aos que possibilitam o seu acesso.
[4] A WIPO e o WTO vem debatendo ,
em seu próprios fóruns, formas de fazer frente à ABS e dialogar com a CDB.
[5] Dr. Vandana Shiva é filósofa,
ativista ambiental e “eco- feminista”; é também fundadora e diretora do Navdanya Research Foundation for Science,
Technology, and Ecology (Índia).
[6] Thomas A. Kursar é membro do Departamento de Biologia da
Universidade de Utah, em Salt Lake City (USA), e do Smithsonian Tropical Research Institut, na Cidade do Panamá (Panamá).
[7] Tarso Veloso, jornalista Jornal
Valor.
[8] Brendan
M. Tobin. Pesquisador da ACIPA, Griffith Law School, South Bank Campus,
University.
[9] Tarin M. Alverne. Professora da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Ceara (UFC)
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