A
CONVENÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO
E
PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE
DAS
EXPRESSÕES CULTURAIS E O DIREITO INTERNO
Trabalho produzido para o Mestrado da
Academia
de Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento.
Professor
- Denis Borges Barbosa
Autora
- Maysa Blay Roizman
RESUMO - O presente trabalho examina a Convenção sobre a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais, aprovada pela UNESCO, e a história de sua
construção, os direitos culturais dentro do ordenamento jurídico brasileiro, e,
com brevidade, traça um panorama do cenário cultural e da diversidade cultural
dos últimos anos no Brasil, buscando as zonas de tangenciamento entre a CDC, os
direitos culturais da lei nacional e a área cultural no país. Finalizando, são
apresentados comentários de quem pensa cultura e diversidade cultural no
Brasil.
PALAVRAS-CHAVE
Convenção da diversidade cultural, diversidade cultural, políticas culturais.
ABSTRACT - The present study examines
UNESCO’s Convention on the Protection and Promotion of the Diversity of
Cultural Expressions, and the history of its construction, the cultural rights
contained in the Brazilian legal order, and a brief general picture of the
cultural ambience in Brazil in recent years, in search of intersections between
the CDC, the national cultural rights and national cultural policies. Finally,
the comments of intellectuals that reflect cultural related themes in Brazil
are presented.
KEYWORDS: Convention on Cultural Diversity, cultural diversity, cultural policies
1. INTRODUÇÃO
O interesse em se estudar
a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais
(CDC) é que este é o primeiro tratado internacional a elevar cultura a um patamar jurídico. Sua contribuição para o ordenamento jurídico internacional se faz
através de conceitos basilares com relação à diversidade cultural. A Convenção conecta
sua preservação e promoção com a manutenção da paz entre as nações e com o desenvolvimento.
Como princípio de destaque, dentre outros, está o de que os Estados são
soberanos para desenvolver políticas públicas na área de cultura. Seu
importante texto final atesta a vitória dos Estados que, na sua construção,
lutaram por fazer prevalecer a visão de que os bens culturais, expressivos de
identidades e valores sociais, possuem natureza especial e excepcional ao rol
de serviços e produtos meramente comerciais.
A CDC, como
tratado internacional que o Brasil ratificou, foi internalizada pelo sistema
jurídico nacional, e veio somar-se aos direitos culturais já garantidos pela
Constituição Federal Brasileira de 1988.
Mas para que a CDC
ganhe força no Brasil – e assim também, no cenário internacional e interno dos
Estados que a ratificaram - será preciso que o direito esteja próximo à práxis.
Para averiguar se esta proximidade existe, procedeu-se à análise de como o
somatório de direitos culturais nacional interconecta-se com o panorama
cultural do país. Neste sentido, procurou-se desvendar o quanto da prática da
cultura, pelas instituições de governo, em suas políticas públicas, e por entes
privados, tem adotado as diretrizes propostas pela Convenção e as disposições
constitucionais sobre direitos culturais. Esta análise será acrescida por recomendações
feitas por intelectuais que pensam diversidade cultural e apontam caminhos para
isto.
2.
OBJETIVOS
O objetivo do
presente trabalho é esclarecer como a Convenção sobre a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO foi internalizada ao sistema
jurídico nacional, que instrumentos constitucionais seu conteúdo veio a reforçar
e como o tratado e as normas internas sobre direitos culturais se fazem
presentes nas diretrizes para as práticas
culturais no Brasil – da sua cultura de massa às políticas públicas para o
segmento cultural.
3.
METODOLOGIA
A pesquisa
realizada para elaboração do presente trabalho foi majoritariamente bibliográfica,
tendo sido consultados livros, publicações periódicas, trabalhos acadêmicos,
publicações de instituições de apoio cultural e outros. Usou-se material em
papel e obtido eletronicamente, da Internet.
Empreendeu-se
também a entrevistas – que não foram gravadas em suporte eletrônico - e a
inúmeras conversas com pessoas ligadas, de distintas formas, a cultura, e que,
embora não citadas ou referenciadas, auxiliaram sobremaneira a constituir a
pesquisa.
4. A
CONVENÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS
4.1 Aspectos
relevantes da CDC
O texto da CDC se
inicia com pressupostos capitais: de que “a diversidade cultural é patrimônio
comum da humanidade, a ser valorizado e cultivado em benefício de todos”, de
que “os bens e serviços culturais possuem uma dupla natureza - sua dimensão
simbólica e econômica”, e de que todas os “Estados são soberanos para programar
políticas culturais, proteger e promover suas indústrias culturais”.
Neste espírito, a
redação da Convenção prossegue, expondo as múltiplas razões porque a UNESCO
adotou a Convenção, que visa proteger e promover a diversidade cultural e que
orientam também princípios, medidas para sua adoção e os seus objetivos, quais
sejam: promover capacidades e proteger valores humanos, o desenvolvimento
sustentável das comunidades, e seus conhecimentos tradicionais, a manutenção da
paz, o respeito aos direitos humanos e à pluralidade cultural, o incentivo às políticas
que visem o desenvolvimento, a erradicação da pobreza e a livre circulação de
ideias, à valorização do papel da mulher na sociedade e da liberdade de expressão,
a educação, a multiplicidade de idiomas e a criatividade, entre tantas outros.
De
especial importância é a relação clara que a Convenção estabelece entre a promoção
e a proteção da diversidade cultural e o desenvolvimento, ressaltando a complementaridade
entre os aspectos econômicos e culturais do desenvolvimento e sua conexão com a
sustentabilidade – ecológica e econômica (BARACAT, 2012).
Por fim, há fatos relevantes como o de que a propriedade intelectual ter sido
mantida fora do texto da CDC[1]
e de que a UNESCO tenha optado pela forma de Convenção para o documento, assim estabelecendo
um compromisso jurídico obrigatório entre as partes envolvidas (PITTOMBAS,
2011).
4.2 Histórico
As questões que levarão à constituição de uma
Convenção sobre Diversidade Cultural delineiam-se a partir das primeiras
décadas do século XX, quando uma indústria cultural começa a surgir. A
“indústria do entretenimento” surge com o cinema (ROSENFELD, 2003). Este será o
primeiro veículo de comunicação e entretenimento de massa. A França é a
potência que sai à frente da nascente arte, mas, a partir da Primeira Guerra Mundial,
os Estados Unidos passam a ter o seu pleno domínio.
A hegemonia americana na indústria do cinema terá
por base uma produção fabril nos estúdios de Hollywood e as rédeas de sua
comercialização, distribuição e das redes de salas de exibição. As fórmulas de
sucesso, o pedestal em que estrelas de cinema são postas, as práticas comerciais
agressivas e, frequentemente, coercitivas e monopolistas (MATTA, 2008), fazem da
“sétima arte”, já na primeira metade do século XX, um produto de natureza
industrial e comercial disputadíssimo entre investidores.
Neste cenário, surgem reações em vários países que
desejam proteger e promover suas próprias indústrias culturais. As “cota de
tela” [2],
que surgem já na década de 40, são inicialmente propostas pela França, Inglaterra,
Alemanha e Canadá (MIGUEZ, 2011). Por muitas décadas – e isto se propagará para
a televisão – chegando aos dias atuais, a reserva de tempo nos meios de comunicação
audiovisuais para exibição de produções locais, será o principal recurso
empregado frente à maciça presença dos produtos culturais
estrangeiros – predominantemente americanos - nas salas de cinema e na
programação de televisão.
Em
1982, na Conferência Mundial sobre Políticas Culturais da UNESCO, denominada
Mondiacult, surge um novo foco para a questão cultural. Reconhece-se a
fundamental ligação entre políticas culturais e diversidade cultural (UNESCO,
2006). Em 1988, a ONU lança a Década Mundial do Desenvolvimento Cultural e cria
- prestigiada por Claude Lévi-Strauss e Celso Furtado - a Comissão Mundial de
Cultura e Desenvolvimento (MIGUEZ, 2011).
Em 1993, a questão cultural – com primazia dos
audiovisuais – chega às negociações do Acordo Geral de tarifas de Comércio (GATT),
na Rodada do Uruguai. Criada aí a Organização Mundial do Comércio (OMC), será
por esta instituição que a questão cultural irá circular. Neste fórum, embater-se-ão
os que defendem produtos culturais como mercadorias – liderados pelos Estados
Unidos - e os que propõem a “exceção cultural” [3]
como França e Canadá (MATTELART, 2006). Para
Divina Frau-Meigs (2006), o debate sobre a “exceção cultural” é o cerne de uma
das primeiras crises pós-guerra-fria. Para a autora, o desafio colocado ao
poder hegemônico dos Estados Unidos possui natureza sociocultural, que não opõe
resistência a um país bélica e economicamente poderoso, mas a um país que
exporta produtos “sedutores”.
Em 2001, diante de um processo multifacetado de
globalização, de evidências e riscos de maior homogeneização dos padrões
culturais no mundo, o conceito da “exceção cultural”, dá lugar à visão de
cultura pelo viés da proteção e promoção da diversidade cultural (PITTOMBO,
2011). Durante a 31ª Conferência Geral da UNESCO, a Declaração Universal sobre
Diversidade Cultural é aprovada. Em sequência, em 2005, em Paris, é aprovada a
Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais,
pela 33ª Conferência Geral da UNESCO (UNESCO, 2006). O novo marco
normativo de nível internacional na área cultural é o coroamento de décadas de
embates da UNESCO para prover a cultura com um status jurídico (PITTOMBO, 2011).
Adotada então por 148 Estados, teve votos contrários dos Estados Unidos e de
Israel, e abstenções por parte da Austrália, Honduras, Libéria e Nicarágua. A
adoção da Convenção, com o espírito favorável à proteção e promoção da
diversidade cultural, foi à vitória final do grupo europeu, e dos países que os
apoiaram [4].
5. OS
DIREITOS CULTURAIS NO BRASIL E A INTERNALIZAÇÃO DA CDC
Os direitos culturais são direitos humanos, inerentes a todos
(SOUZA, 2013), proclamados no
Artigo 27 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos (1948). Os direitos culturais no Brasil constam
da Constituição Federal (CFB) (BRASIL, 1988) em diversas de suas normas.
Bernardo Machado (2011) informa que sete, de nove títulos da CFB, tratam de questões
relativas a cultura. Para Machado, existe uma firme base constitucional para
alicerçar políticas culturais no Brasil. Das normas que tratam diretamente os
diretos culturais, destacam-se o Artigo
215 e 216. O Artigo 215 afirma que o Estado deverá garantir a todos o pleno
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e
apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais, protegerá
as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de
outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, e para o qual,
a lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para
os diferentes segmentos étnicos nacionais. Pelo Artigo 216 – A, o Sistema Nacional de Cultura é criado e organizado em
regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa; esta norma
legal institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas
de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e
a sociedade (BRASIL, 1988). Seu objetivo é promover o desenvolvimento humano,
social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais.
Somado ao conteúdo
constitucional que se refere a direitos culturais, estão os julgados do Superior
Tribunal Federal (STF). Nos casos, direitos culturais foram confrontados com
outros direitos e prevaleceram. Foram os casos da “meia entrada” do estudante e
dos direitos autorais para festas populares, como o Carnaval, discutidos dentro
das regras dos direitos econômicos da livre iniciativa; o caso da “farra do
boi” de Santa Catarina, uma tradição cultural, permaneceu autorizada, com
excessos dosados pelo bom senso (BARBOSA, 2011).
Acrescida
aos direitos culturais constantes da CFB e aos julgados do STF, está a CDC, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo 485/2006. A
internalização da Convenção ao ordenamento jurídico brasileiro incorpora a lei
ordinária[5]
e, portanto, ganha abrangência nacional sem confrontar os princípios
constitucionais.
6. PANORAMA
CULTURAL NO BRASIL COM RELAÇÃO À DIVERSIDADE CULTURAL
A fim de analisar
se o arcabouço jurídico sobre direitos culturais está tendo efeitos na práxis
cultural brasileira, examinamos evidências e indicações de que as diretrizes
para proteção e promoção da diversidade cultural, propostas pela Convenção e
presentes na lei brasileira, estão presentes no panorama da cultural brasileiro,
da cultura de massa e das políticas públicas do Ministério da Cultura (MINC) [6]
- no período de 2003, até o presente[7].
6.1 A
diversidade cultural na TV e no Rádio
6.1.1 TV pública: A TVBRASIL,
emissora da Empresa Brasil de Comunicação – do MINC - foi estruturada em 2003
(a partir de emissoras regionais, que se extinguiram) como um projeto
televisivo com finalidade pública. Adotou-se, em acordo com as diretrizes do
MINC, sob Gilberto Gil, o claro viés da promoção da diversidade cultural, com a
veiculação de conteúdos regionais e estrangeiros independentes, com inúmeros
programas nacionais, de arte e cultura e séries, como a DOC.TV, DOC Latino-américa
e DOCÁfrica (ROCHA, 2013).
O projeto de TV
pública nacional, ainda que apresente clara evidências de atender aos padrões
de diversidade cultural propostos pela CDC e aos dispositivos constitucionais
é, para Renata Rocha (2013), um projeto crítico, devido “à falta de
infraestrutura, à incapacidade de atingir o país como um todo e aos baixos
níveis de audiência”. Sérgio Mattos (2012), com críticas semelhantes ao projeto
de TV pública nacional, propõe que, para uma maior efetividade na
democratização da TVBRASIL, com suas contribuições para a diversidade cultural,
deve haver obrigatoriedade da sua presença em todas as cidades do Brasil,
formação de redes entre TV educativas estaduais e mantidas pela União e a
inserção dos conteúdos da produção regional na TV pública digital.
6.1.2 TV Comercial:
a) TV aberta
privada- A TV aberta, sem ter, no período em exame, sofrido radicais mudanças em sua estrutura
de programas ou na qualidade destes, despertou, em 2013, a atenção da Comissão
de Cultura da Câmara dos Deputados[8];
atentos à questão da reduzida veiculação de programas regionais e/ou de
produção independente, os parlamentares lançaram a campanha “Quero Me Ver Na
TV”, em prol da democratização das comunicações e da diversidade
cultural brasileira no espaço da TV (ASSESSORIA PSB, 2013).
Além das medidas propostas
pela Comissão de Cultura para a regionalização e democratização da TV aberta,
há o fato, apontado por Nelson Sá (2013), de que este meio está em crise, e isto poderá gerar mudanças que
favoreçam a diversificação da programação e a forma de se utilizar a TV. A
causa da crise está, em grande parte, associada à atração de parcela
considerável da população, especialmente a mais jovem, pela internet e pelos
aparelhos eletrônicos móveis, como meios de comunicação. Sá afirma que a perda
de audiência, e a migração desta parcela da sociedade para outras plataformas, tem
provocado uma corrida das emissoras de TV aberta em direção a novas tecnologias
e faixas de transmissão. As mudanças, para o autor, deverão provocar a
diversificação de conteúdos e a abertura de oportunidades para inserção de
programação de teor local e regional.
b)
TV por assinatura - Em 2012, a Agência Nacional de Telefonia ANATEL
(ANATEL, 2012) produziu estatísticas que demonstram que existia aproximadamente
15 milhões de assinaturas de TV a cabo no Brasil, o que corresponderia a um
número aproximado de 50 milhões de brasileiros usuários do serviço. Leonardo
Brant (2013) revela, em
2013, que o crescimento deste mercado havia sido de 60% nos dois anos anteriores. Este atraente mercado,
como é de se esperar, é um importante destino de investimentos das majors[9] - de mercado para produtos e de interesse
de anunciantes (Brandt, 2013).
A Agência Nacional de Cinema (ANCINE) (ANCINE, 2011) revela
em seu sítio de internet que, para garantir que este importante mercado para
produtos culturais estrangeiros, tenha espaço para conteúdos nacionais e
independentes e para a produção diversificada, foi sancionada, em 2011, a Lei da
TV paga, de nº 12.485. Ela traz também ao
setor novos players –
empresas de telefonia móvel - e a articulação entre várias empresas brasileiras,
as quais atuam nos vários elos cadeia produtiva do setor das comunicações.
c) TV digital - A tecnologia digital para televisões, é vista com
grande otimismo por pensadores atentos ao espaço para a diversidade cultural.
Pierre Lévy (2002, apud Amadeu, 2007), criador do conceito de
“ciberdemocracia”, vê na era digital o surgimento de um “novo universal” que
“abriga pequenas totalidades, sem nenhuma pretensão ao universal", fundado
na diversidade, cuja construção é contínua. Sérgio Amadeu (2207) aponta a cultura
digital, como a possibilidade de manifestações e expressões essenciais e
garantirem a expressão da diversidade da nossa sociedade.
Alexandre Siqueira (2010), por seu turno, ressalta que a
migração da TV analógica para os sistemas[10]
digitais implicará em, além de questões de ordem técnica, estética, política, na criação de políticas públicas
voltadas para a promoção da educação da população para pleno uso e real
democratização do meio digital.
6.1.3 O Rádio. O
Rádio é um dos principais veículos de comunicação. Segundo a Sabrina Craide
(2013), o rádio está presente em 88% das residências brasileiras, perdendo
apenas para a televisão, presente em 94% delas. Segundo a mesma fonte, há
aproximadamente nove mil emissoras de rádio no país - AM, FM e comunitárias - número
que dobrou nos últimos dez anos. Daniel
Slaviero (2013, apud. Craide, 2013), presidente da Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), destaca que o rádio está se adaptando
às tecnologias da internet, celular e smartphones. Desta forma, insere-se no
mercado de alta competitividade das informações e do entretenimento. Outra mudança, recente, é a migração de
emissoras AM, para as faixas de FM, por ação do governo, que lhes permitirá uma
melhor transmissão de sinal (STARCK, 2013).
Em relação à diversidade cultural, há inúmeras opções numa
busca de internet, em que rádios de localidades espalhadas pelo Brasil clamam
que sua programação estimula a diversidade, ou indicam páginas em que as rádios
veiculam eventos de promoção desta.
As rádios comunitárias são, por sua vez, importantes vetores
de comunicação e de diversidade cultural. Em torno de 4.500, elas estão organizadas
na Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária, que busca, junto ao
Ministério das Comunicações, o estabelecimento de novos marcos legais para o
setor. As principais questões levantadas são a simplificação dos processos de
outorga, o alcance do sinal, e a permissão de patrocínio (ALVES, 2013).
6.2
Políticas públicas na área de cultura
A partir de 2003, durante
o governo Lula, nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira do MINC, Célio
Turino esteve à frente da Secretaria de Cidadania Cultural; no âmbito do
Ministério, deu-se então a criação e a expansão do programa Cultura Viva, que
se materializou em mais de 3000 Pontos de Cultura. Estes locais propiciaram acesso às redes de
internet para populações locais e a expressão e a produção cultural, local ou
regional, nas mais distintas áreas das artes e da produção intelectual. Através
de editais, numa gestão de modelo democrático, os Pontos de Cultura, espalhados
pelo Brasil, possibilitaram que milhares de iniciativas diversificadas recebessem
apoio financeiro e institucional do governo e fossem divulgas em redes sociais.
Os Pontos de Cultura foram considerados a
melhor e mais expressiva iniciativa de políticas públicas para a área cultural do
País. Cultura,
neste período, foi conscientemente encarada como “processo e não como produto”
(TURINO, 2011). Esta iniciativa esteve
nitidamente conectada às recomendações da CDC, e em acordo com as diretrizes
constitucionais para cultura[11].
Durante a gestão
de Ana Hollanda à frente do MINC, o Cultura Viva entrou em crise e recebeu
severas críticas. Dentre as reclamações, houve a de que o projeto dos Pontos de
Cultura havia sido deturpado, tendo então sido privilegiados projetos que
dessem retorno financeiro (CALGARO, 2012). Marta
Suplicy, que sucedeu Hollanda, a poucos dias de assumir o MINC, resgatou os
ânimos: anunciou a audaciosa meta de constituição de 15 mil novos Pontos de
Cultura até 2020. Os Pontos estão dentre os 53 objetivos do Plano Nacional de
Cultura (PT, 2013). Se a promessa da atual ministra cumprir-se, será um grande investimento de
governo na diversidade cultural brasileira.
6.3 Gestoras
culturais falam de seus projetos em relação às diretrizes da CDC
A fim de conhecer de perto se pessoas do meio
cultural trazem, para seus projetos, as diretrizes da CDC e se buscam a
chancela da UNESCO para sua realização, foram realizadas duas entrevistas.
4.3.1 Beth Costa, pesquisadora da Sala do Artista
Popular, do Centro de Folclore e Cultura Popular: Maria Elizabeth Costa, a Beth Costa é pesquisadora
do programa Sala do Artista Popular, do Centro de Folclore e Cultura Popular
(CNFCP) - Museu de Folclore Edison Carneiro, no Rio de Janeiro. O programa, que
teve início em 1983, trabalha
com pesquisa, documentação, difusão e fomento de arte
popular e do artesanato brasileiros, em caráter permanente. Embora
anterior à Constituição de 1988 e, em muito, à CDC, o projeto antecipa exemplarmente
o espírito das normas que tratam de direitos culturais no Brasil e no mundo. Beth
Costa relata a natureza do trabalho realizado na Sala do Artista Popular: as
mostras de arte e artesanato popular permanecem abertas ao público por um mês,
em média; sobre cada coletivo de artistas, que expõem no CNFCP, são produzidos
catálogos; os artistas recebem, durante o período de exposição, pró-labore; o
Centro promove – de forma permanente – o espaço para comercialização dos
produtos dos artesãos catalogados e o contato direto destes com compradores e frequentadores
do Centro. Todas estas ações, tem, há mais de 30 anos, produzido efeitos
duradores nas vidas de milhares de artesãos, de todas as partes do Brasil, como
a consequência de tornar suas atividades econômica, social e ambientalmente sustentáveis,
de conectá-los com outros museus, galerias e lojas, além de lhes abrir
oportunidades de participarem de cursos, oficinas e projetos de audiovisuais. O
CNFCP mantém, também, um acervo de todos os trabalhos e dos artistas que os
produtos.
Sobre a ligação do programa da Sala do Artista Popular com a CDC, Costa
mostrou conhecer bem a Convenção e saber dimensionar sua importância
estratégica no cenário internacional, mas, afirmou que no programa do CNFCP,
não houve, até o momento, conexão direta com a CDC. Ela acrescenta que o
programa de promoção do artesanato popular está em acordo com as diretrizes da
CDC, e com outros tratados da UNESCO, como a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial, de 2003 (COSTA, 2013).
4.3.2 Daniele Ramalho,
idealizadora e gestora do projeto África Diversa: Daniele Ramalho realiza o
encontro África Diversa com o apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro, desde
2011. O projeto, criado no Ano dos Povos Afrodescendentes, promovido pela ONU, cresce
a cada edição em importância e participação popular. Promove o encontro de artistas populares, de
todos os segmentos das artes, e intelectuais, promove atividades culturais com
contadores de histórias tradicionais da cultura africana e afrodescendente,
apresentações de música e dança folclórica, artesanato, e exposições. Por ter apoio da Prefeitura do Rio, o evento é
gratuito e acessível a todos.
Perguntada se o evento, que dignifica
a diversidade cultural, possui conexão com as diretrizes da Convenção, a
gestora afirmou que teoricamente sim, mas que não há uma ligação explícita.
Ramalho conhece superficialmente a CDC e afirma achar interessante vir a ter a
chancela da UNESCO para o África Diversa, uma vez que, em suas próximas
edições, “o projeto pretende se estender em direção a países africanos para
promoção de um real intercâmbio” (RAMALHO, 2014).
7.
RECOMENDAÇÕES DE INTELECTUAIS PARA FAZER VALER A CDC NO BRASIL
José Márcio
Barros, especialista em questões ligadas a diversidade cultural, afirma que as
promessas de interconectar cultura, e sua diversidade, com desenvolvimento e, portanto,
com comércio de bens e serviços culturais - contidas na Convenção da
Diversidade Cultural da UNESCO, não se cumprem com facilidade, nem de forma
automática. Para o autor, os embates entre a concepção de cultura como
mercadoria e desta como representativa de identidade e valores sociais parecem
estar longe do fim. São disputas de bilhões de dólares que estão em jogo com
cada pacote de filmes ou de programas de TV comprado ou recusado. Há, para o
autor, um longo trabalho à frente a fim de se fortalecer políticas que conduzam
as diretrizes da CDC para a construção, no nível internacional, de relações mais
equilibradas entre as nações. Barros ainda afirma ser fundamental a tomada de
consciência sobre a importância da diversidade cultural nos programas de
formação de docentes e no desenvolvimento de diretrizes para os programas
escolares, no âmbito do Ministério da Educação. (BARROS, 2008)
Para Giselle Dupin, assessora de relações internacionais
da Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, “no
que diz respeito à diversidade cultural, nem tudo pode ser comemorado”. A
autora aponta desafios: a convenção precisa ganhar forças, através de maior
adesão de Estados, para obter um peso mais equilibrado em relação aos acordos
de natureza comercial; para o Brasil, Dupin vê como desafio o combate à
concentração dos meios de comunicação de massa nas mãos de poucos e poderosos
grupos – “fortes o suficiente para fazer recuar o governo em relação à determinação
constitucional de regionalização da produção audiovisual e de radiofônica”
(DUPIN, 2011).
Paulo Miguez, professor do Instituto de Humanidades,
Artes e Ciências da UFBA, e coordenador do Programa Multidisciplinar de
Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA, observa as diferenças existentes
entre o MINC e o Ministério da Comunicação na construção de uma participação
brasileira na CDC e na democratização da cultura no Brasil. O segundo
ministério, para o autor, não tem atuado com força suficiente no combate aos
monopólios das telecomunicações (MIGUEZ, 2011).
Piatã Stoklos Kignel (2009) ressalta a importância da
sociedade civil na implementação da Convenção sobre Diversidade Cultural da
UNESCO. Para o autor é fundamental a compreensão de que somente com a sua
participação da sociedade civil a CDC ter efeitos de real significado (KNIGEL,
2009).[12]
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais, adotada pela UNESCO em 2005, possui capital
importância. A carta, constituída numa era de exacerbação do fenômeno da
globalização, apresenta diretrizes voltadas para a proteção e a promoção da
diversidade cultural, com enquadramento jurídico internacional. A Convenção
fornece instrumentos equilibrados para o combate à homogeneização cultural
global que conectam diversidade cultural a desenvolvimento e ressaltam o valor
econômico das expressões artístico-culturais.
Os conceitos e princípios introduzidos no ambiente
internacional pela Convenção foram construídos gradativamente. As reações à
hegemonia cultural, especialmente a exercida pelos Estados Unidos sobre o
restante do mundo, vem, ao longo de décadas, encontrando distintas formas de resistência
- das “cotas de tela”, surgidas na década de 40, passando pela “exceção
cultural”, empunhada durante a criação da OMC, nos anos 90, até o conceito mais
abrangente da valorização da diversidade das expressões culturais.
Para o Brasil, a ratificação e a internalização do
tratado, em 2006, veio somar o conteúdo da Convenção aos direitos internos relativos
a cultura, constantes da Constituição Federal e de decisões do STF. Com a
entrada da Convenção no direito interno, criou-se um respeitável arcabouço
jurídico de direitos culturais e de instrumentos
de políticas públicas, no sentido da promoção e da proteção da diversidade das
expressões culturais. Dentro deste
ambiente, O MINC, durante as gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira como
ministros, posicionou-se fortemente em acordo com os princípios e metas da CDC
e o ordenamento constitucional, no tocante à promoção da diversidade cultural. As principais políticas públicas de governo
na área de cultura, deste período, foram o destacado projeto Cultura Viva, com
os Pontos de Cultura, e a estruturação da TV Brasil, como modelo de TV pública
nacional, adotando-se a diversidade cultura como de base do projeto.
Embora a promoção da
diversidade cultural esteja claramente subjacente às políticas de governo na
área cultural, parece haver pouca atenção à comunicação, de parte do próprio governo
e de representantes da UNESCO no país, em disseminar as diretrizes da
Convenção, assim como buscar a chancela e outros apoios que esta instituição da
ONU possa disponibilizar para projetos nacionais, em andamento e futuros, que
possuam viés na diversidade cultural. Este é o caso dos projetos a Sala do
Artista Popular, do Centro de Cultura Popular e Folclore Edison Carneiro, e do projeto
África Diversa.
No cenário da cultura
de massa no Brasil, onde o oligopólio de empresas nacionais e internacionais concorre
para o enfraquecimento dos valores tradicionais da sociedade e de suas fontes
simbólicas, existem iniciativas de regulamentação em alguns segmentos, como na
TV aberta - por iniciativa da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados - quanto
à TV por assinatura e nas rádios comunitárias, que favorecem a diversidade da
programação. Quanto à TV digital, para a qual se encaminha o segmento da televisão,
há expectativas, por parte de intelectuais, de abertura de uma era de grande
interatividade e comunicação descentralizada e diversificada no país, e no
mundo.
Duas observações merecem pesquisas mais aprofundadas em
próximos trabalhos: de que as políticas públicas voltadas para o segmento
cultural no Brasil apontam ser medidas de governo, de determinadas gestões no
segmento, porém não parecem fazer parte de uma postura de Estado; e, no que
tange à proteção e promoção da diversidade cultural, parece haver a ausência de
um entendimento harmonioso entre as distintas esferas de governo na área de cultura,
comunicações e educação.
Considerando-se a importância de se trazer para o direito
interno a Convenção da diversidade cultural, de validá-la no ambiente vivo da
cultura, considerando-se as imposições a que está submetida a sociedade diante
da sedução de uma indústria cultural voltada para estimular o consumo e valores
majoritariamente acríticos, considerando-se a conexão entre a proteção da
diversidade cultural e o desenvolvimento e a sustentabilidade do planeta, é
impositivo que as instituições públicas e privadas: atuem no campo da cultura,
em âmbito local, regional, nacional e internacional, colocando em prática a
cartilha da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais. É fundamental que sejam
aplicados os instrumentos da CDC para a criação de uma sociedade que esteja
sempre sendo aperfeiçoada, de um ambiente de valorização da tradições e
renovação, e de um país que tem ainda um longo trajeto para ser de fato
democrático e igualitário.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1]
Para Paulo Miguez (2011) esta
é uma demonstração de que não a CDC não estaria submetida a outros instrumentos
normativos internacionais, como os de natureza comercial regulados pela OMC.
[2] Exclusão
de conteúdos audiovisuais nos tratado de livre comércio entre os Estados Unidos
e a União Europeia.
[3] Exceção cultural é um conceito
introduzido pela França, nas negociações do GATT em 1993 para que cultura
receba um tratamento distinto daquele dado aos produtos comerciai (FONTE: http://en.wikipedia.org/wiki/Cultural_exception)
[4] O Brasil, o ex-ministro
da Cultura do Brasil, Gilberto Gil, nos fóruns internacionais que conduziram á
CDC, atuou na defesa de politicas
afirmativas para as inciativas existentes no campo da cultura e na redação
final e aprovação do texto da Convenção, reafirmando os direitos culturais como
direitos humanos e como instrumento de dialogo entre distintas identidades.
[5] Como direitos humanos, os direitos culturais
provenientes de tratados internacionais, podem ser recepcionados como normas
supralegais ou diretamente par dentro do texto constitucional. Há divergências entre Ministros do Supremo
Tribunal Federal. Em qualquer dos casos,
seus efeitos sobre as leis infraconstitucionais serão idênticos, pois “têm o
condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa
infraconstitucional com ela conflitante” (SOUZA, 2013).
[6] Não está dentro do escopo deste trabalho cobrir todo o segmento cultural
nacional, com a multiplicidade de manifestações e ações que se originam das
coletividades, das instituições públicas e das privadas.
[7]
Período
em que é constituída a CDC (2005), e ela passa a repercutir
no cenário cultural dos Estados signatários, e em que o Brasil a ratifica, em
2006.
[8]
Os deputados envolvidos, José Stédile (PSB/RS),
Nilmário Miranda (PT/MG), Jorge Bittar (PT/RJ), Luciana Santos (PCdoB/PE), Jean
Wyllys (PSOL/RJ), Paulo Rubem Santiago (PDT/PE), Artur Bruno (PT/CE).
[9] Dentre as mais importantes, está
AOL Time Warner, Disney (ESPN, Buena Vista), NBC Universal,
News Corporation (Fox, MGM, Sky), Sony (Columbia, CBS) e Viacom (Paramount,
MTV, Nickeloldeon)
[10] A migração do sistema analógico para o
digital irá ocorrer em 2018.
[11]
Em
dezembro de 2013, Martha Suplicy, à frente do Ministério da Cultura, lançou
edital para 85 novos pontos de cultura na cidade São Paulo No atual governo, parte do programa
dos Pontos de Cultura, em níveis estadual e municipal prosseguem; sente-se,
porém, que deva haver um redimensionamento financeiro e estrutural do projeto.
[12]
Para Barros (2011), neste sentido, a sociedade civil “não faz parte da
Convenção”. Deve-se, assim “inscrevê-la no processo” para que a Convenção seja
apropriada pelo país, e para que ela produza, de fato, transformações.
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