O
EMPREENDEDORISMO E A INOVAÇÃO SOCIAL, SUA IMPORTÂNCIA E ANALOGIA COM
PARÂMETROS DA TEORIA ECONÔMICA
Roizman,
Maysa B. (maysablay@gmail.com)
Mestrado
Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação
1.
INTRODUÇÃO
O interesse em se estudar o empreendedorismo e as inovações
no campo social se dá pelo fato de que muito do que ocorre em termos econômicos
numa nação como o Brasil, onde as desigualdades sociais são extremas, pertence
a este segmento. A economia social, que visa encontrar respostas para questões
que estão além de propósitos meramente financeiros, promove a superação da crise
e das dificuldades geradas por um modelo
político e econômico excludente (BREDARIOLLI, 2012).
Para Genauto França (FRANÇA, 2004), a temática da
economia social vem ganhando visibilidade dentro do ambiente acadêmico, nos
campos disciplinares da economia, da sociologia e da administração. Para o
autor, o interesse da academia pelo tema reflete a própria dinâmica verificada
na sociedade, onde atuam distintos atores da sociedade civil, como o poder
público, entidades sindicais, e agrupamentos sociais diversos, que dão destaque
à inovação e ao empreendedorismo social em diversos fóruns.
No presente trabalho, buscam-se paralelismos entre o campo
da economia social e economia industrial do mainstream
da sociedade. Encaradas frequentemente como áreas distintas, sem comunicação, a
inovação social e a tecnológica possuem interessantes contrastes e
correspondências teóricas. Empregando conceituações teóricas formuladas para as
inovações tecnológicas, bastante exploradas e difundidas, procuramos encontrar as
intersecções entre os dois segmentos da economia.
O
trabalho ainda explora, de forma abreviada, a múltipla terminologia empregada
no segmento da economia social (ES) e da inovação social (IS), com expressões
como, empreendedorismo social, terceiro setor, economia solidária e comércio justo.
Acrescido a esta explanação, está o relato histórico deste setor da economia, e
uma explicação de como ela chega aos nossos dias.
Para
ilustrar os conceitos de ES e IS, e entender um pouco como se aplicam na
realidade, estudamos três empreendimentos sociais brasileiros. Os três casos de
arranjos econômicos sociais selecionados estão também conectados com o emprego
de instrumentos de Propriedade Intelectual (PI) diversos e, em particular, aos
de natureza coletiva – Marcas Coletivas, e de Certificação, e Indicação
Geográfica. O primeiro empreendimento é o Projeto RECA, um projeto amazônico de
cultivo agroflorestal e de beneficiamento de espécies locais, do qual
participam 300 pessoas em forma de cooperativa. A seguir, tratamos do grupo
indígena Sateré-Mawé que possui um interessante arranjo produtivo ecológico do
guaraná, que valoriza e mantém as tradições culturais e religiosas da etnia.
Por fim, falamos do Projeto Pão de Cerveja, uma ideia ainda em desenvolvimento,
que visa capacitar grupos de mulheres a se tornarem padeiras e a trabalharem
com um valioso subproduto da manufatura artesanal de cerveja na região que
engloba os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
2. OBJETIVO
O
objetivo do presente trabalho é buscar nas conceituações teóricas da inovação
tecnológica, e da sua reiterada relação com desenvolvimento, bases para um enquadramento
conceitual da economia e inovação social. Para este fim, são apresentados três
casos de empreendedorismo social, que trazem os conceitos teóricos para a
prática da realidade, e mapeiam-se, nas suas descrições, os elementos da
inovação, desenvolvimento econômico e instituições de apoio. Também são
apresentados, em cada caso, os instrumentos de propriedade industrial que
possuem ou buscam obter no seu enquadramento econômico.
3.
JUTIFICATIVA
A
justificativa para a realização do presente trabalho é a importância que o
empreendedorismo social tem na inclusão e na criação de oportunidades em
segmentos desatendidos por iniciativas de governo, ou pelo setor empresarial. A inovação social desenvolve-se através do associativismo,
da capacitação dos envolvidos e do atendimento a questões não respondidas meramente
pelos processos de inovação tecnológica. Dentre as questões que suscitam as
inovações sociais, está a geração de renda em associações diversas, com a preservação
de recursos naturais, com o resgate de valores sociais e culturais tradicionais
e ainda com o atendimento a necessidades de múltiplas naturezas, não atendidas
pelo sistema político e econômico majoritário. O estudo de projetos socialmente inovadores e
seu enquadramento nos moldes academicamente consagrados da inovação tecnológica
podem corroborar com os esforços para a compreensão de sua relevância.
4. METODOLOGIA
A
metodologia empregada consistiu de entrevistas realizadas em visita de campo,
encontros presenciais com participantes dos casos apresentados e consultas de
caráter bibliográfico. As informações sobre a comunidade Sateré-Mawé, foram
obtidas através de entrevistas realizadas com representantes do grupo indígena
(Fraboni, 2011) e em buscas bibliográficas no sítio eletrônico do Consórcio Sateré-Mawé.
O levantamento de informações a respeito do Projeto Pão de Cerveja foi
realizado em uma série de encontros pessoais com sua idealizadora e através de
consultas a arquivos que elucidam o arranjo produtivo. O Projeto RECA foi
pesquisado nos sítios virtuais de interesse e em vídeos. Informações sobre as
vertentes sociais da economia, sobre a inovação tecnológica e seus
desdobramentos no desenvolvimento foram pesquisadas nas fontes bibliográficas referenciadas.
5. FATOS VARIADOS A RESPEITO DA ECONOMIA
SOCIAL E DA INOVAÇÃO SOCIAL
Diversas
expressões são empregadas para se falar de Economia Social e Inovação Social.
Cada uma possui uma origem e uma nuance distinta dentro do conceito geral de
estratégias de promoção do desenvolvimento humano através de cooperação,
inclusão e solidariedade, mas estão profundamente relacionadas. . As mais
correntes são Economia Solidária, Terceiro Setor e Comércio Justo (Fair Trade). Pela extensão do presente
trabalho, optamos por limitarmo-nos ao uso das expressões Economia.
Empreendedorismo e Inovação Social.
A
IS ainda possui um interessante histórico. Como expressão de novas ideias, de
acordo com Godin (2012), desde o séc. XVIII esteve fortemente associada às
mudanças provocadas pela Revolução Francesa e por outros movimentos
revolucionários de então. Com significados controversos, a expressão para
alguns estava ligada a mudanças positivas, enquanto que para a ala mais
conservadora da sociedade, possuía um sentido pejorativo. Foi também fortemente
usada em associação ao avanço das ideias socialistas, seguindo com conotações
díspares. No início do século XX, passa a estar associada a formas inovadoras
de distribuição de bens e serviços na sociedade, em oposição à sua mera produção.
Recentemente, Mulgan (2007) define inovação no campo social como sendo “novas
ideias que visam atender a necessidades sociais”, e segue listando dez
inovações sociais que, a seu ver, mudaram o mundo: Open University, e modelos
de educação à distância, Comércio Justo, Greenpeace, e movimentos de
engajamento sociais, Grameen, banco de microcrédito indiano e outros que o
seguiram, Anistia Internacional, e iniciativas ligadas a direitos humanos,
Oxfam, e ações de combate à fome, Women’s Institute, do Canadá (1890) e outras
organizações feministas, Linux, e iniciativas como a Wikipédia, NHS Direct, e
organizações de acesso social a serviços médicos, Orçamento Participativo, uma
inovação pioneira do Fórum Social de Porto Alegre.
Existem
no mundo inúmeras instituições conectadas com Economia Social em todos os
continentes. A Comunidade Europeia foi pioneira em financiar a pesquisa e o
desenvolvimento de estratégias com foco em inovações de cunho social com o
SINGOCOOM e o ALMOLIN. Na América do Norte, o Canadá possui instituições de
inovação social como o CRISES, e os EUA, possuem o Office for Social
Innovation, ligado à Casa Branca - que financia projetos sociais em associação
com recursos oriundos do setor privado - e o URBACT - para projetos voltados
para inovações urbanas (GODIN, 2012). Na África, onde há centenas de
organizações inovadoras no campo social, podemos mencionar o Ungana-Afrika e a
iniciativa do M-Pesa – uma moeda social (URAMA; ACHEAMPONG, 2013). No Brasil,
desde 2003, existe a Secretaria Especial de Economia Solidária (SENAES), dentro
do Ministério do Trabalho e Emprego (ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2009), e o setor gera
renda para 2,3 milhões de pessoas no País, movimentando, nos dados de 2012, em
torno de R$12,5 bilhões por ano (PORTAL TERRA, 2012).
6. CONCEITOS DA TEORIA ECONÕMICA E SUA
ANALOGIA COM A ECONOMIA SOCIAL
Existem paralelismos entre o campo social do empreendedorismo
e das inovações e o campo das inovações tecnológicas, dentro da economia
industrial. Estas segmentações econômicas tem sido encaradas em estudos que possuem
poucas intersecções. A inovação social e a tecnológica, porém, dentro de seus
respectivos espectros econômicos, possuem interessantes correspondências
teóricas e um grande potencial sinergético nas suas aplicações.
Conceitos fundamentais formulados para as inovações tecnológicas
são apresentados abaixo e retomados, dentro da seção “7”, na apresentação dos três
casos de empreendedorismo social, onde são empregados no enquadramento das
ações sociais.
6.1. Conceitos da Teoria Econômica
contemporânea
Os
mais importantes conceitos da Teoria Econômica contemporânea, desenvolvidos por
Joseph A. Schumpeter e por Richard R. Nelson são apresentados abaixo.
Schumpeter,
um dos mais renomados economistas do século XX, desenvolve uma teoria capital. Dentre
os conceitos que desenvolve, está o da “evolução econômica”, que se dá pela “inovação”.
“The changes in
the economic process brought about by Innovation, together with all their
effects, and the response to them by the economic system, we shall designate by
the term Economic Evolution” (SCHUMPETER, 1934). A
competição entre firmas – que para Schumpeter se dá principalmente no campo
tecnológico - contribui também para a evolução de um segmento econômico. A
competição tecnológica, cerne do pensamento schumpeteriano, se inicia com a inovação,
que pode se dar pela introdução de novos bens no mercado, pelo desenvolvimento
de novas técnicas de produção, pela abertura de novos mercados, pelo surgimento
de novas fontes de matérias primas ou de recursos ou por novos arranjos
organizacionais. A inovação, para o autor, se dá na incerteza. A “destruição
criativa”, onde uns ganham e outros perdem, ocorre com o sucesso das inovações.
Nelson
(NELSON, 2007) trata, como Schumpeter, da economia evolucionária. Para Nelson
também, a inovação e a evolução econômica acontecem em um ambiente de constantes
mudanças, em meio a incertezas. Em seus trabalhos, o autor aponta a falha de
Schumpeter em não considerar, na Teoria Econômica, as instituições envolvidas
nas economias modernas. Nelson se refere às instituições universitárias, ao
sistema público de pesquisas científicas, aos programas de governo para a
inovação, e outros. Neste rol, ainda se incluem instituições de educação,
financiamento- como os que se voltam para pesquisas de laboratórios de
instituições públicas ou universidades - estruturas legais-regulatórias e
outras iniciativas que dão forma à economia. Nelson ainda considera que a
teoria do crescimento evolutivo se baseia na coevolução da tecnologia, das
empresas e das indústrias, do apoio que as instituições de governo podem
prover. Exemplos desta forte interação entre a inovação e o papel que as instituições
de governo e pesquisa tem, está nas pesquisas realizadas em laboratórios
públicos, ou em universidades, financiadas por fundos públicos. Ou ainda, na
legislação, há o exemplo clássico do ato Bayh-Dole, que encoraja, no âmbito
acadêmico americano, as universidades a obter patentes dos resultados de
projetos que tiveram financiamento pelo governo, e a tentar fortemente
comercializá-los.
7. CASOS DE INOVAÇÂO SOCIAL E SUA ANALOGIA COM AS
INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS
São
apresentados, nesta secção, três casos de empreendedorismo social. Para cada um,
após uma exposição do histórico do projeto, é feita a analogia entre os arranjos
econômicos sociais e os parâmetros desenvolvidos para a inovação tecnológica
industrial: “evolução econômica”, “inovação”, “destruição criativa” e o “complexo
de instituições envolvidas”.
7.1 Projeto “Pão de Cerveja”
Adriana
Nagaya é sommelier de cervejas. Seu trabalho gira em torno da degustação de
cervejas produzidas artesanalmente em pequenas cervejarias dos estados de São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. As
cervejas artesanais são um segmento econômico em franca ascensão, que promete
chegar, em 10 anos, a 2% do mercado cervejeiro brasileiro, terceiro no mundo
(BARBOZA, 2013)! Segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja, há no
Brasil 200 microcervejarias (G1, 2013).
Em
entrevista com Adriana Nagaya (NAGAYA, 2013), ela conta o seu projeto. Ele se
inicia no fato de que o rechaço das cervejarias, o mosto, quando lançado em
terra, representa um produto poluente e perigoso. Quando reutilizado,
entretanto, é um recurso importante. A grande indústria cervejeira destina boa
parte do mosto para indústria de rações animais; mas, como estes rejeitos -
provenientes das grandes empresas - contem grandes volumes de aditivos químicos,
o material não pode ser aproveitado na indústria de alimentos humanos. As
cervejarias artesanais, entretanto, utilizam malte de cevada e produzem uma
matéria prima superior em qualidade. O produto artesanal é saudável, e pode ser
reutilizado na alimentação humana.
Há
dois anos, de posse desta importante informação, Nagaya decidiu empreender explorando
a estreita e ancestral [1] relação
entre cerveja, pão e as mulheres (COUTO, 2012). Por um lado, experimentando
empregar o mosto de boa qualidade na produção de pães, chegou a um produto rico
em fibras e saudável. Por outro lado, desenvolvendo um projeto que levará à
produção de pães, enriquecidos com o mosto, ao plano social com o arranjo de
padarias, geridas por mulheres, no entorno de cervejarias artesanais. Em termos
mais específicos, a ideia é de um projeto que capacite e gere renda regular para
mulheres, em que estas se capacitem e desenvolvam de receitas a modos de gestão
de seu próprio negócio em tudo o que lhe disser respeito.
7.1.1
Aspectos da Propriedade Intelectual: Adriana Nagaya
desenvolveu um processo de armazenamento do mosto, um material de fácil
degradação, e de seu processamento. Ela está interessada em investigar se cabe proteger
estes processos inovadores como patente.
Ademais,
tem como certa a necessidade de registrar a marca que identificará os produtos
gerados pelas padarias coletivas, numa forma de esclarecer para o consumidor o que
está por traz da marca: os esforços e ganhos sociais, a alavancagem econômica
para as pessoas envolvidas no processo de panificação, o estímulo econômico e a
preservação ambiental promovidos pela reutilização do mosto.
Neste
último caso, em particular, Nagaya, ao tomar conhecimento da existência de Marcas
Coletivas, considera que neste instrumento de PI caberá melhor ao projeto.
Terá, com este intuito, que primeiramente transformar em realidade seu projeto,
colocando suas ideias em prática. Nela, unirá sua expertise com cereja e pão de
cerveja, e constituirá grupos em torno de cervejarias artesanais, promoverá o
treinamento das pessoas, deverá obter apoio financeiro para a aquisição de
equipamentos e para a obtenção de espaços de trabalho.
7.1.2
A inovação social e sua analogia com conceitos da inovação tecnológica. O
arranjo produtivo do Pão de Cerveja possui diversas inovações, produz a
evolução econômica dos envolvidos e de seu entorno, e promove uma criativa
destruição de um paradigma social.
Do
ponto de vista técnico, a experimentação com os pães - uma “inovação culinária”
- é o detonador do projeto do arranjo produtivo.
A
associação da produção com as mulheres, retomando seu contexto histórico,
novamente, é uma inovação, desta vez de cunho social. Também, e mais
importante, do ponto de vista da “inovação social” está o fato de que se projeta
a retirada de pessoas de uma situação precária de vida, para a capacitação
profissional e técnica, para a geração de renda e para a melhoria de vida.
Seguindo
nas inovações que o projeto introduz, está a inserção no mercado de um alimento
saudável, que emprega recursos disponíveis e produz melhorias no entorno -
famílias e vizinhança. Trata-se, pois de um arranjo de produção, que além de
girar em torno de cervejarias artesanais, como receptor de um rejeito,
dando-lhe uma nova utilização, tem o potencial de promover a “evolução
econômica” da região.
O
projeto em vista poderá provocar o rompimento de uma história de sobrevivência
mínima, para a tomada das rédeas de produção e gestão de um negócio por
mulheres. Esta ruptura paradigmática, no nível local, econômico, e de gênero,
trata-se de uma “destruição criativa”.
Quanto
a instituições de governo, acadêmicas ou financeiras de apoio ao Projeto Pão de
Cerveja, Nagaya relata que não há, ainda, qualquer suporte. Toda a capacitação,
experimentação e desenho social do projeto tem sido bancado pela própria
autora.
7.2 Projeto RECA
Elder
de Paula e Mauro César Silva (PAULA; SILVA, 2004) relatam que o Projeto RECA,
desenvolvido na região fronteiriça entre os estados de Rondônia e Acre, é
conduzido por uma cooperativa que reúne em torno 300 pessoas. Sua produção crescente
é de mais de um milhão de quilos de frutos por safra, transformados em polpa, comercializados
como sementes, óleos e conservas. Seus principais produtos são cupuaçu, castanha,
palmito beneficiado, açaí e pupunha. Paula e Silva acrescentam que o sistema
adotado para produção agrícola é o Sistema Agroflorestal (SAF). O SAF é a
consorciação da floresta com suas espécies nativas e a produção agrícola, e/ou
coletora variada, sem o desmatamento.
Os
autores contam a história das famílias que, em 1984, vieram do sul do Brasil, atraídas
por um projeto de loteamento da floresta amazônica promovido, então, pelo Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Como em outros projetos de assentamento,
as pessoas que migraram receberam pouca ou nenhuma ajuda para se manter. Sua
incumbência era desmatar, o que para o governo significava ocupar e plantar os
cultivos tradicionais trazidos da região sul.
As
dificuldades que sobrevieram foram extremas. Os colonos resolveram então testar
o cultivo de plantas nativas da região como alternativa às culturas trazidas do
sul que tinham pouco vigor e rentabilidade. Acumulando, pouco a pouco,
conhecimentos sobre o ambiente local - com o progressivo intercâmbio com moradores
nativos da região – sobre o manejo do solo amazônico, sobre as melhores mesclas
de plantios, entre alimentos da região e produtos comercialmente rentáveis, o
projeto foi se construindo (MOREIRA, 2003).
Em
1989, foi fundada a Associação de Pequenos Agrossilvicultores do Projeto RECA,
inicialmente com 80 associados. Entre seus objetivos iniciais, figurava a
recuperação de áreas degradadas com a implantação de sistemas de cultivos
agroflorestais usando o sistema SAF. Começou a plantar espécies nativas, como cupuaçu,
açaí, andiroba, e palmito de pupunha, que em pouco tempo, contrário aos
plantios exógenos, mostraram-se viçosas e promotoras da almejada recuperação do
solo (MOREIRA, 2003).
7.2.1.Aspectos
da Propriedade Intelectual: O Projeto RECA possui duas marcas
registradas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e certificações
de produtos orgânicos. Quanto às marcas,
a primeira é de natureza individual e a segunda é uma “marca coletiva” (MC). É interessante
observar como se aplicam, no caso da MC, dois de seus mais importantes aspectos:
um deles refere-se é o de que o coletivo que requer a MC deve juntamente o
depósito da marca no INPI, depositar o “Regulamento de Uso”, documento onde
estão listados os participantes do coletivo, e s as regras da utilização da
marca pelo grupo. Quem decide o que deve contar da MC é o próprio grupo,
ficando o INPI, apenas como depositário do Documento. Outro aspecto relevante
da MC é que dentro do coletivo que a requereu, os membros podem usar a marca
independentemente, se assim desejarem s contanto que atendam ao que ficou acordado
grupalmente, e está registado no regulamento de uso. No caso do Projeto RECA,
ambos os pontos, principais consideração da MS. Pode ser observado. No caso RECA, o beneficiamento e a comercialização
dos produtos é feita de forma centralizada. No caso da certificação de produto
orgânico, ele vem de 2003, quando o RECA engajou=-se na Associação de
Certificação Socioparticipativa da Amazônia; atualmente seus produtos possuem
também a certificação do Instituto Biodinâmico (IBD).
7.2.2
A inovação social e sua analogia com conceitos da inovação tecnológica
O que distingue o Projeto RECA e o torna “socialmente inovador” é a combinação
entre uma alternativa de produção agroecológica com a organização social da
comunidade, cm gestão coletivizada do projeto em todas as etapas da cadeia
produtiva. A “evolução econômica” do agrupamento se nota na história do RECA. Houve, desde o início da ocupação do
território, uma grande melhoria da renda individual e coletiva, que s reverteu
em capacitação e investimentos. Este avanço pode ainda ser acrescido de fatores,
como a adoção de métodos agroecológicos que não produzem “externalidades
negativas”. A acentuada melhora dos padrões alimentares do grupo e a
preservação ambiental, decorrentes da postura ecológica de produção agrícola, contribuem
para a “evolução econômica”.
A
expressão schumpeteriana, “destruição criativa”, cabe no Projeto RECA na
mudança paradigmática que os pioneiros da ocupação do loteamento promoveram.
Estes homens e mulheres migrantes, diante das adversidades advindas do
desmatamento “tradicional”, e do cultivo de vegetais exógenos ao ambiente, ousaram
experimentar, dentro das incertezas do desconhecimento, o plantio de espécies nativas
da Amazônia. Em seguida, “destruíram”, com criatividade social, os padrões
hierárquicos de gestão de negócios rurais da região. Coletivizaram-se
horizontalmente para crescer.
No
que tange a participação de um “complexo de instituições” no Projeto RECA, tem
havido, irregularmente, o apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA), da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Companha Nacional de
Abastecimento (CONAB). A Petrobrás manteve uma parceria com o RECA entre 2007 e
2009, dedicando R$ 1 milhão em benefícios aos produtores. O Governo Federal
dispõe de linhas de financiamento para aquisição de tratores e máquinas para
pequenos agricultores, como o programa Território da Cidadania, da qual o RECA
tem se beneficiado. O projeto ainda tem recebido o apoio técnico e financeiro
de organizações não governamentais estrangeiras, como a GZT, fundação de
cooperação técnica alemã, a CEBEMO, entidade holandesa de
cooperação internacional - ligada à igreja holandesa- e a italiana SIR, consórcio ‘Solidariedade em Rede’.
7.3 Projeto Guaraná Sateré-Mawé
Em
contato com os brancos há mais de três séculos, a etnia Sateré-Mawé é o povo
que domesticou a trepadeira silvestre do “waraná” e a converteu num arbusto
cultivável. Além disso, foi o grupo que desenvolveu as técnicas originais de
beneficiamento do fruto, até ele se converter numa bebida, que para os Sateré,
possui significados religiosos. A lenda do Guaraná[2] é
o mito de origem do povo. A partir da década de 20, do século XX, a etnia
Sateré, em suas 100 aldeias, estabelece relações comerciais com a Companhia
Antártica Paulista. O refrigerante Guaraná Champagne da Antárctica, resultante
da relação comercial, vai então gradativamente conquistando o mercado
nacional. Os índios e os caboclos - de
terras adjacentes às terras indígenas - produtores do guaraná, fornecem, desde
o princípio, o fruto à empresa. A partir da década de 70, porém, com o
vertiginoso aumento nas vendas da bebida, a Antárctica passa a produzir seu
próprio guaraná, numa fazenda em Maués. Ali, a empresa planta e promove o melhoramento
genético dos frutos, empregando técnicas de clonagem e produtos químicos
agrícolas para viabilizar a produção.
Não deixando de comprar o fruto dos produtores locais, a Antárctica
reduz drasticamente o que lhes é pago pelo guaraná, e passa a fornecer mudas
selecionadas, de alta produtividade, e insumos agrícolas – agroquímicos (A
CAMINHADA, 2013).
Nos
ano 80, os Sateré recebem a atenção do Conselho de Trabalho Indigenista (CTI) [3]. A
partir deste ponto, inicia-se o desenvolvimento de um projeto “inovador” de
produção agroecológica do guaraná para comercialização regional. Economicamente inviável, o projeto busca
novas parcerias (FRABONI, 2011). Um novo desenho de arranjo produtivo é feito.
Surge a oportunidade de se exportar o fruto em pó, identificado com selos que
atestam as ações sociais e de preservação ambiental contidas no produto. A exportação, para a Europa – Itália França –
é feita pelo boom, a partir do anos
90, do conceito de “comércio justo”. O guaraná nativo, produzido e beneficiado
de forma tradicional, passa assim a ser exportado com o apoio da Associação de
Consultoria e Pesquisa Indianista na Amazônia (ACOPIAMA).
7.3.1.Aspectos
da Propriedade Intelectual: O guaraná Sateré-Mawé está
trabalhando para depositar um pedido de marca no INPI e de reconhecimento de
Denominação de Origem (DO) para o fruto. Possui também certificações: do IDB,
para alimento orgânicos, do movimento internacional “Slow FOOD”, que reconhece
todos os aspectos relativos a um alimento, da semente à prateleira onde é
vendido, e de Produto do Jardim Florestal (Forestgarden
Product), que atesta o cultivo em ambiente não deflorestado.
7.3.2
A inovação social e sua analogia com conceitos da inovação tecnológica
A guinada que os índios Sateré dão na sua forma de produzir o guaraná, saindo
da forma de produção convencional, com emprego de técnicas características do agronegócio,
para um novo patamar agrícola, é uma importante “inovação”. Neste caso, “inovação”
de natureza técnica , na retomada e na revalorização de conhecimentos
tradicionais. Além desta inovação técnica, o negócio do guaraná para os índios,
sua economia e seus parceiros comerciais, inova-se. Lançando-se na incerteza da mudança, os Sateré
abandonam a Antárctica – e se aventurarem na exportação de seu produto
valorizado ao comércio justo europeu. Decorrente desta série de inovações,
ocorre a “inovação social”, per se, com a adesão gradual de mais aldeias e mais
jovens ao processo.
As
inovações técnicas, comerciais, organizacionais e sociais provocam a
“destruição criativa” de um processo de degradação cultural e de padrão de
vida, provocado pelas relações com a Antártica. A empresa, com o controle que
exercia (e permanece exercendo com os caboclos da região) com o monopólio de
compra, com o controle de mudas e variedades e de distribuição de insumos, e
com o apreçamento unilateral, provocou uma severa pauperização dos produtores.
Quanto
ao “complexo de instituições envolvidas” no Projeto Guaraná, está o CTI e a
ACOPIAMA, mencionados anteriormente, o Ministério da Agricultura, a partir de
2008, com a ala do Ministério conectada com produtores familiares e produção
orgânica – este grupo foi o que incentivou o grupo a organizar-se e buscar o
reconhecimento do guaraná como Indicação Geográfica (IG), mais precisamente uma
Denominação de Origem (DO). Neste aspecto, a etnia recebe a atenção do SEBRAE, do
INPI. Ainda a FUNAI e a CONAB, e instituições de comércio justo europeu, como a
Guayapy, francesa, e o Instituto Cooperação
Econômica Internacional (ICEI), italiano.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As
inovações sociais, como as inovações tecnológicas, tem como razão de ser o desenvolvimento,
quer este seja meramente econômico, ou, aliado a ele, exista o anseio de se
promover o desenvolvimento social nos seus parâmetros educacionais,
alimentares, culturais e outros.
Nos
seu entendimento geral, o desenvolvimento econômico pode estar conectado com
inovações no modelo de negócio, com a renovação de produtos, serviços e
processos, ou ainda com novas instalações para um empreendimento ou métodos de
gerenciamento. As inovações sociais não diferem sobremaneira dos
empreendimentos regulares. Buscam como estes, o desenvolvimento dos coletivos
em que ocorrem, promovendo, ao invés de lucros e dividendos para acionistas, a
geração de renda a partir do trabalho coletivo. Como os empreendimentos
econômicos do mainstream da
sociedade, os empreendimentos sociais podem também valer-se da propriedade
industrial, buscando a proteção de seu ativos com o registro de marcas ou
patentes; ou ainda, podem pretender o reconhecimento seus produtos ou serviços
com o “indicação geográfica”. Aliam-se, também, aos objetivos dos
empreendimentos sociais, motivações como a capacitação e a valorização dos
talentos dos envolvidos, a sustentabilidade econômica e ecológica e,
frequentemente, a preservação e o resgate de valores tradicionais.
A expressão inovação está fortemente associada
à inovação tecnológica, à inovação que gera produtos e serviços que se destinam
ao mercado de consumo. No seu processo, corriqueiramente inclui a aplicação de
técnicas e tecnologias, a concepção o desenvolvimento e a gestão da produção e
da comercialização de produtos e da prestação de serviços. Está associada à
geração de recursos, à noção de eficiência e competitividade, fundamental para
o crescimento econômico. As inovações sociais, por seu turno, compartilham
de várias características associadas às inovações tecnológicas. Como estas,
podem, ao fim, gerar produtos e serviços novos para a sociedade. Também, como
na economia tecnológica e industrial, promovem o crescimento e a “evolução
econômica” dos empreendimentos. Estas, também surgem de inovações, que
realizadas em meio a incertezas, podem, ao ser bem sucedidas, promover a
“destruição criativa” de situações anteriores. Os conceitos neo-schumpeterianos
introduzidos por Nelson e Winter adéquam-se, igualmente, aos empreendimentos
sociais. Dentre suas formulações, destacamos no trabalho a importâncias dos
“complexo de instituições” que servem de base e impulso para os
empreendimentos, como universidades, instituições financeiras e outras. No caso
dos empreendimentos sociais abordados, pudemos observar o quão importante é a
inserção destes no âmbito das ações de instituições de suporte, quer estas
sejam de governo, ONGs ou outros.
Nos
projetos Pão de Cerveja, RECA e Guaraná Sateré-Mawé pudemos observar
características que os enquadram dentro dos parâmetros de empreendedorismo
social e dos clássicos critérios de inovação e desenvolvimento. Nos três casos,
observam-se inovações múltiplas que rompem, ou visam romper, com situações
adversas dos grupos que envolvidos. Ademais, no caso do RECA e do Guaraná
Sateré, o apoio de instituições de governo, ou ONGs, nacionais ou
internacionais, mostrou-se fundamental.
O
que nos resta ressaltar por fim, é que, diante da importância que
empreendimentos sociais tem para sociedades diversas de países com o Brasil, o
apoio institucional, ou de empresas parceiras é fundamental e deve ter
regularidade para que novos patamares de desenvolvimento econômico e social
sejam alcançados. Ademais, além das correspondência teóricas que os setores
industrial/ tecnológico e o social possam ter, é possível haver verdadeira
sinergia de ações entre eles. Ambos os segmentos da sociedade podem se
beneficiar deste somatório e bons frutos podem ser gerados em nível local,
regional e nacional.
9.
REFERÊNCIAS
A
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[1] A
produção de cerveja, nas culturas antigas, esteve tradicionalmente a cargo das
mulheres. Na babilônia e na Suméria, há 5000 anos, as mulheres cervejeiras eram
consideradas especiais, com poderes divinos. Esta tradição perdura até o século
XVIII (COUTO, 2012)
[2]
A lenda do guaraná conta que, numa aldeia, um casal de índios Maués tinha um
único filho, alegre e saudável. Querido na aldeia, o menino levava todos a
crerem que seria, ao crescer, um chefe guerreiro. Jurupari, deus do mal, sentiu
inveja já do menino. Jurupari o atacou e
matou. . O menino, que não voltava para casa, levou toda a aldeia a buscá-lo
Eles o encontraram morto. Chorando, permaneceram sob uma chuva intensa. Um
raio, então, atingiu o corpo do menino morto, A mãe percebeu no raio a presença
de Tupã. Disse que a divindade queria que se enterrassem os olhos do menino, e
que dali nasceria um fruto que seria a felicidade da aldeia. Os índios assim fizeram, enterrando os olhos
do menino. No local, nasceu uma planta que os Maués ainda desconheciam. Era o
guaranazeiro. Por esta razão, os frutos do guaraná são sementes negras,
rodeadas por uma película branca, semelhante ao olho humano.
[3]
O CTI foi criado por um grupo de antropólogos, na transição do regime militar
para a democracia. O conselho atuou diretamente com os povos indígenas buscando
atender a seus interesses e necessidades, a partir de seus próprios princípios
e conhecimentos, e visando criar alternativas para o futuro dos grupos. Suas ações estiveram sempre conectadas ao
reconhecimento dos direitos territoriais, à valorização das referências
culturais e à proteção ambiental das terras.
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